Valberto José
Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.
O doce Açude da Mata
Publicado em 13 de outubro de 2022Na recém-secular Campina Grande dos anos de 1960, a água do Açude de Boqueirão não alcançava os bairros mais distantes. Até mesmo após implantado o sistema de abastecimento d´água, a população de Rosa Cruz, Cruzeiro, Três Irmãs, Vila Cabral e Santa Rosa continuou matando a sede com a água do Açude da Mata.
O elevado índice de salinidade da água vinda do Açude Epitácio Pessoa, que passou a chegar às torneiras recém-instaladas, inibia drasticamente o consumo pelos moradores locais.
A água acumulada no Açude da Mata era tão doce e de espectro tão amarelado que parecia desafiar a definição de que é uma “substância líquida incolor, insípida e inodora”. Tão agradável ao paladar, que parecia ser adoçada com açúcar, mormente mascavo e demerara, pela sua tonalidade barrosa.
Formavam-se filas de pessoas vindas desses bairros com latas na cabeça, ancoretas em lombos de animais ou carroças, buscando a água de salinidade quase zero. Poucas casas conservavam filtro de barro ou outro meio de tratamento; optava-se por um pano coador na boca do vasilhame.
O Açude da Mata formava a dupla de represas das terras de meu avô paterno, Patrício Lopes de Almeida. A propriedade fronteava a Av. Almirante Barroso do colégio de Lourdinha à padaria de Chiquinho, margeando a Dinamérica, estendendo-se ao residencial Nenzinha Cunha Lima.
Como o nome sugere, o Açude da Mata situava-se numa reserva florestal, distante das vias do bairro. Bem na depressão que sobe para o Nenzinha, no final da atual rua lateral do Colégio Panorama e o hipermercado; seu balde reservava a água mais ou menos onde hoje está a sede social do Simcof.
Um conjunto de arame farpado e estacas cercava a mata, separando-a das terras destinadas ao plantio. No interior, outra cerca rodeava o açude, impedindo a entrada de animais, guarnecido por uma casa de taipa destinada ao morador, demolida com o tempo.
Por volta de oito anos, comecei a ajudar o velho na distribuição da água, às margens do açude, coletando o dinheiro de quem vinha da Vila Cabral e Santa Rosa, acessando pela Dinamérica. Também atendia o pessoal de Rosa Cruz (Rua da Vaca), que chegava ao reservatório atravessando a propriedade vizinha, de Zé Félix, pai de Gilvanete do supermercado
Mais privilegiados, moradores do Cruzeiro e Três Irmãs usavam a porteira colada à “casa grande”, em frente ao “Grupo Escolar” Apolônia Amorim. Minha avó Aurora revezava com o marido a janela lateral transformada em caixa. Consegui comprar a primeira calça comprida com a gorjeta que meu avô me disponibilizara com o apurado.
Esta prestação de serviço à beira do açude me divertia bastante. Locutor, cujo nome não me vem à mente, exagerava, em programa radiofônico da época, no bordão “Chora Belchinha, nem liga Neném”. Não é que eu recepcionava com esse dito as clientes Luzia Viola e dona Neném assim que as avistava.
Além de matar a sede de muitos, a água doce do Açude da Mata também adoçou a minha infância feliz.