
Advogado batiza de ARI, SANDRA e OMAR as estátuas dos Tropeiros da Borborema
Publicado em 5 de março de 2025Amante, como poucos, de Campina Grande, cidade pela qual disputou o cobiçado cargo de prefeito municipal e pela qual continua lutando e trabalhando diuturna e arduamente, o jovem advogado Olímpio Rocha, cujo pai – Márcio Tarradt Rocha – foi um dos vereadores mais atuantes da história, publicou hoje nas suas redes sociais o “atestado de batismo” das três estátuas que adornam a entrada da cidade, no Açude Velho, causa que bem merece ser acolhida pelo Poder Legislativo.
Segue o brilhante texto:
ARI, SANDRA E OMAR
Quem passa pelo Açude Velho, em Campina Grande, certamente já reparou neles. Três figuras imponentes, estáticas, firmes contra o tempo e a modernidade. São conhecidos simplesmente como os Pioneiros, um trio de pedra que homenageia aqueles que moldaram a cidade.
Mas, por alguma razão insondável, nunca receberam nomes. Um monumento sem identidade própria, como se tivessem sido condenados ao anonimato eterno.
Foi o escultor José Corbiniano Lins quem os trouxe ao mundo. A obra foi feita para celebrar o centenário da emancipação política da cidade, tendo sido inaugurada em 11 de outubro de 1964. Três personagens de concreto representando a tríade que impulsionou a economia local: o índio, a algodoeira e o tropeiro. Mas, se a cidade os reverencia, por que nunca lhes deram nomes?
Como campinense nato, sempre achei injusto. Imagine você, passar a vida inteira em um pedestal sem ninguém saber como te chamar. Isso me incomodava desde menino. Então resolvi batizá-los. Afinal, se Campina Grande é a cidade que se reinventa, por que não reinventar os Pioneiros também?
Para mim, são Ari, Sandra e Omar.
Ari, o índio Ariús, tem a expressão serena de quem sabe que já perdeu essa guerra há muito tempo. Ele observa a cidade crescendo, os prédios espelhados subindo como se quisessem tocar as nuvens, mas duvida que algum deles tenha raízes mais profundas que as árvores da Borborema. “Ah, se eu tivesse um TikTok”, pensa ele, “faria dancinhas e viralizava com a tag #DevolvamMeuTerritório.”
Ari me lembra os tempos em que Campina Grande não era “grande” coisa além de mato, caça e rio. Foi atacado pelo bandeirante Teodósio de Oliveira Ledo, que por aqui chegou em 1697, distribuindo pólvora e promessas de civilização. Ari e seu povo bem que tentaram resistir, mas a história já estava escrita: séculos depois, quase não restam Ariús por essas terras.
No centro do trio está a mulher que carrega o ciclo econômico mais importante da história de Campina Grande: o algodão. Sempre achei que ela deveria se chamar Sandra. Não só por ser um nome forte, mas também para lembrar a histórica Sanbra, com N antes do B, a fábrica de algodão que dominou a economia local por décadas, da qual, aliás, foi gerente meu bisavô Otacílio de Moraes, o velho Dodô. Quando Campina Grande ainda era a Liverpool brasileira (digo, Liverpool era a Campina inglesa!), era Sandra quem via toneladas de pluma embarcarem para o mundo.
Ela carrega seu saco de algodão como se fosse um filho. Foi o que fez a cidade crescer, encher os cofres, trazer energia elétrica, estradas, bancos, fábricas. Mas Sandra também viu tudo ruir. O algodão perdeu espaço, as fábricas fecharam e a Campina da fartura virou uma cidade que tropeça entre o passado e o futuro.
Hoje, enquanto observa o Açude Velho, talvez se pergunte: “Será que alguém ainda lembra do cheiro do algodão recém-colhido?” Um pombo pousa em seu ombro, mas ela não se abala. Quem já segurou a economia de uma cidade inteira não se abala com tão pouco.
Por fim, o último do trio: o tropeiro. Figura fundamental no crescimento da cidade, ele transportava mercadorias pelo Sertão, garantindo que Campina Grande não morresse de fome nem de isolamento.
O nome dele só podia ser Omar. Uma homenagem aos mascates árabes que, como outro bisavô meu, José Tarradt, vieram da Palestina, Líbano e outros países da região direto para o coração do Nordeste. O velho “Zé Arábe” chegou aqui com pouco mais que a roupa do corpo e um espírito de negociação feroz. Mascateou pela região, fez fortuna, conheceu cada atalho da Borborema. Omar é sua representação de pedra e de seus patrícios, um elo entre a tradição dos tropeiros e a chegada dos comerciantes que ajudaram a moldar o centro da cidade.
Omar observa o Açude Velho e vê um mar. Sim, um mar! Porque todo mascate enxerga longe. Imagina navios ancorados na Vila Nova da Rainha, pescadores vendendo tilápia na Feira Central, o São José como um porto de cargas. Ele sonha grande. Sempre sonhou. Se a cidade um dia tivesse um porto, pode ter certeza de que Omar já teria um esquema de venda de tapetes persas. Mas, por enquanto, ele segue ali, de pedra e cal, esperando que alguém reconheça sua importância.
Os três continuam ali, impassíveis, vendo a cidade mudar sem que ninguém se preocupasse em perguntar seus nomes. Mas agora resolvi batizá-los: Ari, Sandra e Omar. Figuras eternizadas em pedra, testemunhas silenciosas de um passado que teima em resistir. E se algum dia alguém quiser saber quem eles são, basta parar por um instante, olhar nos olhos de concreto e ouvir a história que o vento sussurra sobre o Açude Velho.
Fonte: Olímpio Rocha