Vanderley de Brito
Historiador, arqueólogo, genealogista e atualmente é presidente do Instituto Histórico de Campina Grande (IHCG).
Uma excursão ao Morro da Catacumba
Publicado em 2 de novembro de 2022No bairro da Lagoa, um dos de maior valorização imobiliária do Rio de Janeiro, se encontra o Parque da Catacumba, que no passado foi a chácara da Baronesa Rodrigues de Freitas, e, depois de sua morte, a posse da Chácara das Catacumbas foi dividida em lotes para seus escravos, nascendo ali uma favela às margens da Lagoa Rodrigues de Freitas, na Zona Sul do Rio, que cresceu bastante a partir dos anos 40.
Formada por barracos, em agosto de 1967 um grande incêndio atingiu a Favela da Catacumba, provocando pânico e desabrigando centenas de pessoas. Vulnerável à incêndios, em fins de 1968 mais uma vez a favela pegou fogo, deixando cerca de cem desabrigados e, devido ao risco constante de incêndios e de desmoronamento de terras por fortes chuvas, em meados de 1969 a Catacumba passou a fazer parte de um “plano de desfavelização” do então governador do Estado da Guanabara, Carlos Lacerda. Mais de seis mil pessoas moravam na Catacumba e todas as famílias foram removidas para os conjuntos habitacionais da Cidade de Deus, Vila Aliança e Nova Holanda, que se tornaram novas favelas com o passar do tempo.
Depois de desapropriado, o Morro da Catacumba foi reflorestado, passou por um trabalho de paisagismo e a área foi transformada em parque municipal urbano, o Parque da Catacumba, que foi inaugurado em 1979 como área de preservação ecológica e voltada à difusão cultural. Nos anos 80 fui muitas vezes aos shows de música que se realizavam na base desta elevação nas tardes de domingo.
No ano de 1985, lendo uma revista Planeta, comecei a aguçar meu interesse por arqueologia e neste ano realizei minhas primeiras excursões arqueológicas amadoras, a primeira delas foi à Pedra da Gávea, onde fui ver supostas inscrições fenícias gravadas na fronte da cabeça do imperador, uma formação rochosa no topo deste morro de configuração corpórea que parece o esboço da cabeça de um homem barbudo, e a segunda foi dirigida ao Morro da Catacumba, pois ouvi dizer que este nome macabro se devia ao fato de haver catacumbas indígenas neste morro.
Na época eu tinha 19 anos, muita curiosidade e nenhuma prudência. Convidei meu irmão mais velho pra ir comigo, me muni com um bornal, cantil, facão e, claro, uma câmera fotográfica Kodak (analógica) para registrar a expedição. Embora sob um calor de 40º C, a humidade da floresta e a sombra ajudavam bastante e, devido os arvoredos elevados, é bem mais fácil subir uma serra na Mata Atlântica do que na Caatinga, o perigo maior são as folhagens no chão, que, além de escorregadias, podem esconder animais peçonhentos. Mas naquela época eu não pensava em nada disso, era imune aos temores e o sabor da aventura cobria todos os inconvenientes.
Com mais de uma hora de caminhada ascendente em meio à mata, chegamos ao cume do morro, mas, infelizmente, não encontramos no caminhar qualquer indício de sepulturas indígenas, somente, vez por outra, nos deparávamos com despachos de macumba recentes e vestígios da antiga favela, como chinelos velhos e molambos, para dizer o mínimo. Reconheço de bom grado que não éramos experimentados em prospecção arqueológica, este trabalho requer ser sóbrio e paciente, atributos que não coadunam com a intensidade da juventude. De qualquer modo, a longa e penosa excursão não foi de todo desapontante, pois fomos agraciados com a belíssima vista panorâmica de toda a Lagoa Rodrigo de Freitas, o Morro Dois Irmãos, a Pedra da Gávea, as praias do Arpoador, Ipanema e Leblon, com seus horizontes longínquos e, lá no final,
em meio à vaporização, o magnífico Morro do Corcovado, que ostenta o Cristo Redentor de braços abertos. Um espetáculo sublime! Contraditoriamente, procurávamos indícios da morte e encontramos a magnitude da vida.