Valberto José
Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.
Um gato na cama da vizinha
Publicado em 29 de agosto de 2024Vizinhança no Brasil é tão importante, que há duas opções de data – 20 de agosto e 23 de dezembro – a comemorar o Dia do Vizinho. A origem da data neste mês credita-se à poeta Cora Coralina, que rejeitou uma festa de aniversário em 1980 que moradores de sua rua quiseram lhe dar, sugerindo uma comemoração entre vizinhos. A de dezembro tem origem incerta e seria puramente apelo comercial.
Morando há 20 anos na mesma rua, ainda alcancei um tempo em que qualquer motivo servia de pretexto para uma farra nas calçadas ainda arborizadas ou se arborizando. A ponto de um dos moradores sugerir um dia especialmente de comemoração aos aniversariantes do mês, mas, felizmente ou infelizmente, a ideia ficou na sugestão.
Nunca esqueci daquele ano em que começamos “pular” carnaval no sábado e fomos até à Quarta-Feira de Cinzas. Trabalhava até meio-dia e, na volta para casa, quando dobrava a esquina da rua, avistava a galera já concentrada me esperando na calçada. A troca de gradeados por muros altos e portões fechados encerrou esse ciclo festivo, a amizade e a boa convivência continuaram.
Não é bom vizinhar casa disposta à locação. Chega um inquilino e, quando nos acostumamos com ele, muda-se; teremos, então, que nos adaptarmos ao novato.
Fala alta e briga de casais são realidades que nos incomodam numa vizinhança parede e meia, experiência vivida algumas vezes, na mudança de inquilinato. Se brigam, não nos deixam dormir; na amplificação da fala, ouvimos segredos que não queríamos ouvir, incômodo que tiramos de letra.
Esse entra e sai de inquilino nos permitiu conviver de perto com uma família composta do marido e dois filhos homens, que viviam mais fora do que em casa, e a mulher; a neta era sua companhia mais constante.
A menina arranjou um gato e, na inocência de seus anos, nomeou-o de Robinho, apelido de um morador do lado oposto. A vizinhança se divertia com o nome do felino, Robinho muito mais. “Eu sou um gato”, dizia ele, esforçando-se na pose de galã.
Conhecida pelo falar alto, quase gritando, a inquilina intensificou os serviços da casa, naquela manhã, enquanto a garotinha não chegava da escola. “Sai da minha cama, Robinho”, gritou ela, do nada, espantando a vizinha da esquerda, que imaginou, de pronto, ser o morador do lado oposto. Era mesmo o felino a enfeitar a cama da vizinha locatária.