Valberto José

Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.

Tropeiros da Aurora

Publicado em 11 de outubro de 2024

Nunca soube se saiam “mais cedo do que a barra da aurora”, mas estou certo de que encontravam pousada na casa de Dona Aurora. Começavam a chegar no início da tarde de toda sexta-feira à casa grande de meus avós paternos, vizinha à nossa, na Almirante Barroso sem pavimentação dos anos 1960/1970. Às escondidas, todos da família Lopes de Almeida chamavam-nos de matutos.

Esses matutos vinham em tropas de burros da região de Catolé de Boa Vista, a maioria do Sítio Açude de Dentro, e traziam produtos que seriam vendidos na Feira Central e bairros de Campina Grande, e na volta levavam outros a serem negociados por lá. Carvão, queijo, pele de animais, como bode, eram algumas das mercadorias comercializadas. “Deixe meus matutinhos”, dizia minha avó quando pressionada a deixar de acolhê-los.

Bom mesmo era vê-los nas redes armadas na sala, que se avultava pela largura enorme. A frente da casa, demolida quando um dos herdeiros vendeu sua parte do terreno, tinha duas janelas laterais e uma porta no meio. O terreno de Seu Patrício margeava a Rua Almirante e o hoje Parque Linear Dinamérica até nos limites da Vila Cabral.

Todos, ali deitados, proseando e ouvindo o rádio, colocado estrategicamente num móvel centralizado e encostado na parede, sintonizado no Forró de Zé Lagoa, da Rádio Borborema. O programa era apresentado por Rosil Cavalcante, compositor de grandes sucessos da música nordestina, autor da melodia de Tropeiros da Borborema, nos versos de Raymundo Asfora. “Forró de Zé Lagoa, beco da facada…”, um dos bordões do personagem interpretado por Rosil.

Esses matutos tinham nas mãos de Dona Aurora, que preparava o “cancão” que me saciava o fado (Isso é fado, menino, você não está com fome!), o feijão que lhes fartava e lhes restituía as forças; nos cercados do patriarca o pasto nutritivo da tropa, depois da caminhada morosa na estrada, e o açude em que tomávamos banho depois da morte dele, para matar a sede.

Não lembro o nome de todos esses matutos, apenas de três deles. Seu Novinho, Severino Antônio e Manoel de Neco. Este, inesquecível, pelo ingrediente que adicionava às suas refeições. Só comia com um pacote (embalagem em saco de papel) de açúcar ao lado do prato. Uma colher de feijão na boca, outra de açúcar. Deve ter morrido em consequência de uma diabete braba.

Talvez Tropeiros da Borborema seja a minha música preferida na voz de Luiz Gonzaga. Estou certo de que é a que mais me toca. É a que me arrepia, é a que faz marejar meus olhos, pois fala de minha terra e de quem, na sua humildade cabocla, a fez grande “nos tempos de outrora”. E me fez compreender que aqueles matutos de Dona Aurora eram, naqueles anos saudosos, os últimos tropeiros da Borborema.