STF forma maioria para tornar Bolsonaro réu por tentativa de golpe

Publicado em 26 de março de 2025

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) formaram maioria para tornar Jair Bolsonaro (PL) e outros sete aliados réus por tentativa de golpe. Até agora o relator do caso, Alexandre de Moraes, Flávio Dino e Luiz Fux, votaram a favor de aceitar a denúncia e abrir um processo penal. A sessão com a Primeira Truma do STF ocorre na manhã desta quarta-feira, 26. Caso a denúncia não seja aceita, o caso é arquivado.

O ex-presidente e 33 aliados foram denunciados pela Procurador-Geral da República (PGR) pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Com o julgamento do núcleo 1, Bolsonaro, os ex-ministros e militares que participaram de sua gestão podem virar réus.

O que acontecerá na sessão de hoje

O relator, Alexandre de Moraes, deve apresentar seu voto no mérito, ou seja, sobre o pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) para iniciar uma ação penal no tribunal;

Na sequência, os ministros da Primeira Turma apresentam seus votos nesta ordem: Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin;

O colegiado decide se tornará a denúncia uma ação penal;

Caso isso ocorra, os acusados se tornam réus e respondem a um processo na Corte.

O ex-presidente foi denunciado como líder da organização que arquitetou que colocou em andamento um plano de golpe de Estado. Como foram denunciados pela PGR mais de 30 pessoas, isso significa que a denúncia foi aceita parcialmente. No passo seguinte, os ministros da Primeira Turma vão analisar a acusação contra o segundo e terceiro núcleo. O segundo foi denunciado como responsável pelo operacional e o terceiro responsável pelo “gerenciamento de ações” golpistas.

Como foi o segundo dia?

Diferente das sessões de terça-feira, 25, o ex-mandatário não acompanhou a votação do colegiado no plenário do STF, mas no gabinete de seu filho, Eduardo Bolsonaro (PL).

Moraes abriu os trabalhos com a leitura de seu voto. O relator afirmou que é necessária a “comprovação da materialidade dos delitos imputados aos denunciados”, e que isso já foi reconhecido pelo STF em 474 denúncias, e relembrou que os fatos ocorrido no dia 8 de janeiro são graves.

“Salvo duas sustentações orais, reconheceram a gravidade dos fatos ocorridos no dia 8 de janeiro. […] Foi uma notícia péssima para a democracia, para as instituições, para brasileiros que acreditam num país melhor. Mas esse viés de positividade faz com que as poucos relativizemos isso. Ninguém que lá estava estava passeando, porque tudo estava bloqueado e houve necessidade de romper as barreiras policiais. Vários policiais se insurgiram contra isso, vários são agredidos”, declarou.

Para ilustrar a materialidade dos crimes, Moraes pediu a exibição de vídeos das ações que ocorreram na data dos atos golpistas, o ministro relembrou que um policial foi retirado de seu cavalo e outra agente que teve seu capacete quebrado após ser acertada com uma barra de ferro.

“É um absurdo as pessoas dizerem que não houve agressão. Nenhuma bíblia, nenhum batom é visto nesse momento. Mas a depredação ao patrimônio público, o ataque à polícia, é visto. O pedido de intervenção militar, o golpe no Congresso, as pessoas filmando e incentivando a resistência da polícia legislativa, bombas, é bom lembrarmos que tivemos tentativa de golpe de estado violentíssimo, fogo, destruição ao patrimônio público, dano qualificado”, afirmou.

O ministro afirmou ainda que “não há portanto nenhuma inépcia da denúncia como alegado pelas defesas” e diz que está “presente a justa causa para instauração da ação penal”. Além disso, Moraes afirmou que foi assegurado o direito à ampla defesa e que há “elementos sérios e idôneos” na denúncia da PGR.

O relator também afirmou que há ‘indícios fortes de autoria’ de Alexandre Ramagem e  Bolsonaro quanto à instrução de ataque às urnas. Ele leu a mensagem enviada pelo ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e delegado da Polícia Federal ao ex-presidente obtida durante a investigação.

Moraes também relembrou que a denúncia cita que Bolsonaro coordenou os integrantes de seu governo na atuação referente a narrativa para atacar as instituições do País e a criação do “gabinete do ódio”. O ministro ainda citou um discurso de Bolsonaro na Avenida Paulista, em setembro de 2021, em que o então presidente “após algumas ‘palavras carinhosas contra minha pessoa’ disse que não cumpriria mais ordens judiciais”.

Por fim, Moraes defendeu que a Procuradoria apontou “elementos mais do que suficientes” para o recebimento da denúncia contra Bolsonaro.

Flávio Dino foi o segundo a votar e afirmou que as próprias sustentações orais chamaram sua atenção e foram no sentido da materialidade da denúncia. “Não foi tanto desmaterializar, mas sim afastar autorias”, portanto, inocentar os acusados.

Outro ponto destacado pelo ministro é que, ao contrário do dizem erroneamente que não houve tentativa de golpe, pois não havia armas, foram apreendidas armas, inclusive durante o 8 de janeiro de 2023, como barras de ferro, cercas, tacos de beisebol, e canos de PVC.

Dino também lembrou que muitos dos participantes eram policiais e membros das Forças Armadas e que “há gente mais apaixonada pelas armas do que pelos cônjuges” e que alguns “dormem com suas armas, embaixo do travesseiro, na cama, ao lado da mesa de cabeceira”.

Julgamento do núcleo central

Com a denúncia aceita, será aberta uma ação penal e os oito denunciados, que formam o Núcleo 1 apresentado pela PGR, tornam-se réus e respondem ao processo no STF.  O Núcleo 1 é assim chamado pois é apontado pela PGR como responsável por liderar a tentativa de impedir o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, após as eleições de 2022.

Bolsonaro acompanhou o julgamento sentado na primeira fileira.

Bolsonaro acompanhou o julgamento sentado na primeira fileira.

Foto: Divulgação/STF

Veja quem os componentes do Núcleo 1: 

Jair Bolsonaro, ex-presidente da República, ex-deputado, ex-vereador do Rio de Janeiro e capitão da reserva do Exército;

Alexandre Ramagem, deputado federal, ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e delegado da Polícia Federal;

Almir Garnier Santos, almirante da reserva e ex-comandante da Marinha do Brasil;

Anderson Torres, ex-ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro, e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, à época dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023;

General Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional e general da reserva do Exército;

Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, tenente-coronel do Exército (afastado das funções na instituição);

Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, general da reserva e ex-comandante do Exército; e

Walter Souza Braga Netto, general da reserva do Exército, foi ministro da Defesa e da Casa Civil, além de candidato a vice de Bolsonaro em 2022.

Próxima fase de julgamento dos réus

Com a instauração do processo na Suprema Corte, é aberta a fase de ‘instrução processual’, quando o STF colhe as provas e depoimentos de testemunhas e acusados. Depois, é realizado um novo julgamento, no qual os ministros decidem se os envolvidos são inocentes ou culpados. Em caso de inocência, o processo é arquivado.

Se os magistrados optarem pela condenação, os réus recebem penas de forma individual, conforme o envolvimento de cada um nos crimes. A pena máxima pelos crimes imputados a Bolsonaro pela PGR pode chegar a 46 anos, conforme a legislação.

Primeiro dia

Alexandre de Moraes abriu o primeiro dia afirmando que “integrantes do alto escalão do governo federal e das forças armadas formaram o núcleo crucial da “organização criminosa”, e deles “partiram as principais decisões e ações de impacto social narradas na denúncia”.

O ministro relator citou que a consumação do crime do artigo 359-M do Código Penal (tentar depor por meio de violência ou grave ameaça o governo legitimamente constituído) ocorreu por meio de sequência de atos que visavam romper a normalidade do processo sucessório.

Alexandre de Moraes no julgamento para decidir se STF acata denúncia contra Jair Bolsonaro e demais acusados por tentativa de golpe de Estado

Alexandre de Moraes no julgamento para decidir se STF acata denúncia contra Jair Bolsonaro e demais acusados por tentativa de golpe de Estado
Foto: Antonio Augusto/STF

 

“Esse propósito ficou evidenciado nos ataques recorrentes ao processo eleitoral, na manipulação indevida das forças de segurança pública para interferir na escolha popular, bem como na convocação do alto comando do exército para obter apoio militar à decretação que formalizaria o golpe”, leu Moraes em seu relatório.

Após a leitura, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, teve 30 minutos para apresentar a sua acusação. Depois dele, foi a vez das defesas dos acusados falaram por 15 minutos cada, e por último, as questões preliminares passam por análises dos ministros.

Em um discurso firme, Gonet chamou a atenção para a gravidade do plano golpista e o risco que isso trouxe para a democracia do País.

“Todos aceitaram, estimularam e realizaram atos tipificados na legislação penal de atentado contra a existência e independência dos poderes e o Estado de Direito democrático. Os delitos descritos na denúncia não são de ocorrência instantânea. Eles compõem uma cadeia de acontecimentos, articulados para que, por meio da força ou da sua ameaça, o presidente da República Jair Bolsonaro não deixasse o poder, ou a ele retornasse, contrariando o resultado das eleições”, declarou.

Após o procurador, foi a vez das defesas dos acusados apresentarem suas teses perante ao colegiado. O advogado do ex-presidente Jair Bolsonaro, Celso Vilardi, disse que a denúncia da PGR contra seu cliente não tinha objeto específico e defendeu a rejeição. Ele ainda criticou a delação de Mauro Cid e negou a participação de Bolsonaro no golpe.

“Foram determinadas buscas e apreensões, foi feita a quebra de nuvens, o presidente foi investigado, buscas e apreensões. O que se achou com o presidente? Absolutamente nada. E com todo o respeito e com toda a vênia, ilustre procurador-geral da República, eu contesto essa questão do documento achado do Partido Liberal. Há, inclusive, no meu colega Paulo Bueno, uma ata notarial de que ele enviou para o presidente da República aquele documento. Então, esse documento não foi achado. Com o presidente não se achou absolutamente nada”, enfatizou o advogado de Bolsonaro.

Vilardi afirmou entender a gravidade de tudo que aconteceu no 8 de janeiro e destacou o repúdio do próprio ex-presidente com os atos. “Não há um único elemento, nem da delação. Aí me criticam que eu digo que a delação não vale nada, óbvio, porque nem o delator que o acusou fez qualquer relação dele com o 8 de Janeiro. Não há uma única evidência a esse respeito”, disse.

“Não é possível que se queira imputar a responsabilidade ao presidente da República o colocando como líder de uma organização criminosa quando ele não participou dessa questão do 8 de janeiro. Pelo contrário, ele a repudiou”, acrescentou ele.

Já a defesa do ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) de Bolsonaro, general Augusto Heleno, afirmou que a denúncia da trama golpista, envolvendo seu cliente, é ‘terraplanismo argumentativo’. O advogado Matheus Mayer Milanez argumentou que não há provas contundentes de que o general Heleno tenha envolvimento na tentativa de golpe de Estado.

“Eu recordo muito de uma série que está passando em um grande streaming, em que cientistas querem chegar a uma conclusão e eles vão construindo provas para se chegar nessa conclusão. Então, o objetivo é: provar que a terra é plana. Se faz inúmeros experimentos, inúmeros estudos para se provar que a terra é plana. O que está acontecendo no presente caso é o terraplanismo argumentativo”, declarou.

A defesa do general ainda afirmou que se “está querendo colocar Augusto Heleno na organização criminosa”, e que “pegaram” tudo que foi possível para dizer que seu cliente fazia parte do plano.

Derrotas para as defesas quase unânimes

A defesa tentou declarar Moraes, Dino e Zanin impedidos de atuar no caso por ausência de imparcialidade, bem como atacar a competência da 1ª Turma em julgar o caso. Todos os ministros votaram contra essas duas preliminares.

Moraes negou que o STF esteja condenando “velhinhas com a Bíblia na mão” pelos atos golpistas de 8 de janeiro e comparou o argumento usado por Bolsonaro e aliados  –na tentativa de desacreditar a competência da Corte– ao terraplanismo.

“Se criou uma narrativa, assim como a terra seria plana, de que Supremo Tribunal Federal estaria condenando ‘velhinha com bíblia na mão’, que estariam passeando num domingo ensolarado pelo Supremo Tribunal Federal, Congresso Nacional e pelo Palácio do Planalto. Nada mais mentiroso do que isso, seja porque ninguém lá estava passeando e as imagens demonstram isso, seja pelas condenações, que eu peço para colocar para facilitar”, declarou.

Na terceira preliminar, que avaliava a possibilidade de o julgamento ser direcionado para o plenário do STF, o ministro Luiz Fux foi o único que votou a favor, mas ficou vencido. “Essa matéria não é tão pacífica assim. Essa matéria já foi mudada e remudada e voltou-se à tese originária várias vezes”, justificou.

Foram rejeitados por unanimidade todos os pedidos de nulidade do julgamento, que questionavam o procedimento investigativo que levou à denúncia enviada pela PGR ao STF e pediam a aplicação das regras do ‘juízo de garantias’.

Por fim, as defesas de Bolsonaro e Braga Netto também tentaram anular o acordo de colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid. Mas, esse pedido também foi rejeitado por todos os integrantes da Primeira Turma.

Fonte: Redação Terra

Siga A Palavra Online no Instagram