Amaro Pinto

Advogado, Cronista, Articulista paraibano. Fascinado, humilde e curioso aprendiz do Direito, Literatura, Teologia e Filosofia. Avante – sempre – porque somente DEUS é grande.

SOBRE NOSSOS OLHOS 

Publicado em 19 de janeiro de 2023

Foi de forma lenta e imperceptível, em princípio, que a tessitura tenebrosa começou sem [dar] o mínimo ar de sua presença nefasta, até moldar-se em sombra espessa e quase indevassável – de modo que mesmo a luz reinante do Astro-Rei se deu como obnubilada – chegando por conseguinte a transformar a limpidez dos tempos e fraternidades fecundas, em densa ojeriza e aversão profundas e recíprocas – a afastar convívios e manchar relações interpessoais e sobretudo familiares.

Eis que para além de temperanças arraigadas por décadas, átimos de ira saíram ferozes de suas tocas, com dentes e garras afiados arreganhados, pululando no entremeio da sociedade como um todo, atingindo classes sociais diferenciadas e expurgando a crença atávica conceituada na Sociologia de um povo tido como cordato, solidário, faceiros, repleto até a farinha dos ossos, de mansuetude e tolerância, afagos e ternuras, feitas então como indeléveis e indestrutíveis.

Depois, no cotidiano comum, a fina camada de fios soltos transmudou-se em véu grosseiro, ríspido, a tornar impossível a visão de um palmo à frente, e tal a alegoria incomparável e genial do atemporal José Saramago, a cegueira se fez geral e coletiva – e a barafunda se instalou de vez, mas com prazo findo, que assim seja.

Intelectuais, historiadores, escritores de escol, gente que sabe das coisas, [não essa malta de desocupados perdida nos escombros de becos e praças vazias de ideias e repletas de fofocas] – se viram atônitos, sem saber o que fazer, perdidos, estupefatos, mesmo em campos opostos, pelo desenrolar sem medidas e peias, de ofensas pessoais, agressões físicas e verbais, dilacerações de almas e sentimentos construídos com tanta luta e esforço no escopo de se viver em paz e sorridentes, inclusive e principalmente, no universo das ideias e concepções de ideários opostos.

Essa nuvem grosseira e espessa de obscurantismo, que se supunha, em vão como se viu, inumada nos escombros de tempos terríveis, atingiu foros nos quais pessoas preparadas, acostumadas aos debates acalorados imantados pela Dialética, também se ergueram tais feras famintas, ávidas por devorar não mais adversários – mas inimigos ferrenhos. Uma lástima.

Na Academia, lugar por essência, alcance e definição – a onda de perversão mental se imiscuiu (ou despertou) – ao ponto de se tornar campos de batalhas, numa guerra inominável, do “fim do mundo”, como diria o saudoso e não menos genial imortal baiano, João Ubaldo Ribeiro.

Malgrado tudo isso, todavia, não há sobras para se apurar culpados ou inocentes, eis que todos, de lados opostos, se deixaram contaminar pelo véu encoberto de vistas aos largos horizontes: apenas o que dormitava, silente e pernicioso – serpenteando em meio aos nossos pés também cegos – acordou urrando pregos e soltando fogo pelas ventas acesas de discriminação e obstinada perseguição às diferenças – eis que o respeito ao contraditório e ao que se nos desagrada é, indisputavelmente, uma das maiores conquistas da Humanidade, tal como a conhecemos, pelo menos desde o advento da Revolução Francesa.

No entanto, sem incursões ideológicas, nem imersões sobre Direito ou Ciência Política – sempre, nos albores eternos e sucessivos do decurso dos séculos e milênios, sobreleva a esperança, mãe da fraternidade e da paz, irmã das afeições – que adveio com suas águas benéficas, tal colírios postos sob refrigérios em olhos ardidos, para curar a cegueira coletiva e quando menos seja, trazer de volta um convívio cortês e civilizado, capaz de renascer a luz iridescente e fazer de carrancas, belos sorrisos francos, apertos de mãos verdadeiros, abraços imantados por sentimentos eivados de positividade – quando menos seja – dissipar a nuvem traiçoeira, volvendo aos horizontes orientais de todos os dias, a bola de fogo que ilumina a existência.

Assim é – e assim tem sido – porque assim também sempre o será.

Avante porque somente DEUS é grande.