Júnior Gurgel

Jornalista político, memorialista e Ghost writer. Ex- diretor de Jornais e Emissoras de Rádio na Paraíba, com atuações no Radiojornalismo.

SESSENTA ANOS: O BRASIL CONTINUOU UNIDO

Publicado em 31 de março de 2024

O historiador Hélio Silva (médico e jornalista) em sua última obra “1964: Golpe ou Contragolpe”, narra a trajetória política do País, relatando fatos oriundos de pesquisas, usando linguagem simples, pedagógica e de fácil leitura. Sua obra completa identifica com clareza o “analfabetismo” político que permeava a sociedade brasileira, desde 1908, passando pelo episódio dos 18 do Forte e a criação do movimento (dentro das Forças Armadas) “Tenentista”, cujo ciclo se encerrou com a chegada ao poder em 1964. Em 16 volumes, registrou toda a era Vargas, incluindo seu retorno e suicídio.

Infelizmente, o maior historiador do País foi completamente esquecido. Em seu lugar, surgiram outros, com relatos tendenciosos, desprezando testemunhos consignados em documentos, diários, opiniões publicadas em artigos dos jornais da época, e criaram novas versões com roteiros tendenciosos, tentando “oficializar” suas nostálgicas militâncias esquerdistas, inspirados na utópica propaganda de Moscou.

Na visão de Hélio Silva, até o episódio de 1964 – mesmo com a capital do País funcionando em Brasília – as grandes lideranças políticas tinham origem no Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. São Paulo vinha crescendo muito, e acelerou seu ritmo com a transferência das grandes indústrias, bancos e seu forte comércio, estimulado pelo empresariado que deixou a orla de Copacabana, após o Rio perder “status” de Capital do Brasil. A eleição de um político paulista (1960), Jânio Quadros, para Presidente da República, despertou as tradicionais elites oligárquicas. O eixo político do País estava se deslocando do Rio. Mas, o seu duro núcleo militar – presente na história desde a Proclamação da República – ainda permanecia na Cidade Maravilhosa.

Nunca existiu um centro conspirador, encarregado de planejar os eventos de 1964. As ações eram dispersas. Tinha o IPES – Instituto Pesquisas e Estudos Sociais, comandado por Cel. Golbery do Couto e Silva, parturiente dos IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática, que desenvolviam o debate político econômico, e preparavam a juventude para construírem uma grande Nação, inspirada no neoliberalismo democrático. A tarefa era preventiva: combater a demagogia comunista, dividida nas linhas Moscovita, Albanesa, Chinesa e Cubana, que se expandiram rapidamente, ocupando as redações dos jornais, recrutando o campo e assumindo o controle dos Centros Acadêmicos e Universitários.

Tudo começou a se precipitar com a alta da carestia (inflação) que entre julho de 1962 e julho de 1963 atingiu 100%. A crise econômica instalou-se. Os sindicatos, muito fortes, impunham seus salários. Ferroviários, portuários, comércio e indústria… A economia não era indexada, não existia a correção monetária, obra de Roberto Campos no governo Castelo Branco. O desemprego cresceu assustadoramente. Atrasaram pagamentos dos aposentados, servidores públicos estaduais, e até alguns setores federais. Veio a tragédia do assassinato do Presidente Kennedy, que havia hospedado oficialmente João Goulart em Washington, e como citou Jackeline Kennedy em suas memórias, seu esposo tinha se equivocado. João Goulart não era um comunista.

Os programas destinados por Kennedy ao Brasil foram abandonados por Lyndon Johnson, que se voltou para o sul asiático, passando a investir pesado na guerra do Vietnã. Leonel Brizola, cunhado de Jango – considerado pelos moderados da época como “incendiário” – pregava a implantação das reformas de base urgente, para pacificar o País. Estatização dos bancos, reforma agrária nas áreas produtivas (fazendas de Café, Engenhos de Açúcar a lavouras de arroz e trigo). Desmonetização, com criação de uma nova moeda, e impostos altíssimos para equilibrar as contas públicas.

Este discurso foi aproveitado pelos comunistas, e totalmente distorcido. Iriam acabar com o Parlamento, criariam uma República Sindicalista – algo semelhante ao Grande Conselho Italiano na era fascista de Mussolini – tropas da Rússia viriam para o Brasil, para proteger o País e evitar a ocupação dos “imperialistas do norte” (Estados Unidos). Na pauta, deportação da classe política para a Sibéria, e substituição dos barnabés da máquina pública por membros do “partidão”. Os efeitos foram trágicos. Sem TV, Redes Sociais, alto índice de analfabetismo… Jornais e revistas eram caros, e poucos tinham acesso à leitura. O povão correu para as Igrejas, pedindo proteção a Deus, bênçãos dos padres, que os encorajou a irem às ruas pedir “Abaixo Este Governo”. Formaram de improviso a TFP – Tradição Família e Pátria.

Janeiro de 1963, as greves “pipocaram” em todo o País. Ferrovias paravam. Portos, a grande indústria, comércio e principalmente os bancos. No campo todos estavam armados, para conter a inevitável invasão das “Ligas Camponesas”. Faltaram bombeiros… Quando foi usar o extintor (tardiamente) o presidente João Goulart, no comício da Central do Brasil (13/02/1964) ao invés de água, usou gasolina. Perdeu o controle do governo. A Revolta dos Sargentos nos Quartéis pôs sob ameaça as Forças Armadas. Poderiam se apossar do arsenal e partirem para guerrilha urbana e rural.

Não houve ocupação militar na Praça dos Três Poderes, nem controle de estradas e pontos estratégicos como fontes de abastecimento de água e energia. O saudoso paraibano Abelardo Jurema era Chefe da Casa Civil da Presidência da República. Ficou no Palácio até o dia 02/04/1964, quando foi exonerado pelo presidente Ranieri Mazzilli. O ex-presidente FHC comenta em seu livro que, exilado no Chile com José Serra e Abelardo Jurema, ouviu seus relatos: ligação dos governadores, procurando por Jango, e pedindo orientação de que lado ficariam. As polícias eram armadas e treinadas com armas de ataque, canhões, baterias antiaéreas… Reservas do Exército. Generais Comandantes, como o de São Paulo, Santa Catarina, Paraná, se prontificaram a cumprir as ordens de Abelardo, já que o presidente estava no Rio Grande do Sul, e partiria de lá: marcha sobre Brasília. Abelardo confessou que só quem não lhes ligou foi Jango (?). Cruzou a fronteira, sem avisá-lo.

Questionam se este evento deve ser comemorado ou não. Claro que deve ser comemorado. Corremos o risco de uma guerra civil. O Brasil seria totalmente dividido, ou esquartejado. Cuba, Rússia, países da cortina de ferro, mandariam guerrilheiros, tropas para estabelecerem “cabeças de pontes”. Uma longa guerra se estabeleceria, como a do Vietnã. Hoje nosso imenso território abrigaria três, ou cinco países diferentes.