

Valberto José
Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.
Sem saudade dos sabores da rua
Publicado em 12 de março de 2024Há tempos fujo do “sabor do perigo” das ruas, e o milagre da frutuosidade doméstica na cozinha caseira não me deixa sentir um mínimo de nostalgia desses produtos de sabores discutíveis e de higiene tão duvidosa. Disse milagre, e não há outro termo, o surpreendente desempenho de minha mulher na cozinha depois que deixou toda uma vida de trabalho fora e pôs as mãos na massa em casa. Nem a chegada dos netos a tira do foco no preparo de uma comida gostosa.
Hoje, se quero degustar um bode guisado, tenho no tempero caseiro a certeza de que terei o melhor tira-gosto para minha cachaça preferida ou a mistura do almoço com a presença da filha, do genro e do filho quando este vem da capital. Garanto que já não sinto saudades do bode mais gostoso que comi, em Cabaceiras, na Festa de São Bento, quando, estagiando, acompanhei uma equipe do extinto jornal Gazeta do Sertão, no distante ano de 1985.
Açougueiro por influência familiar, desses que, na juventude, colocava até tutano da cor de manteiga da terra no pão, eu era obcecado por carnes, principalmente de charque e seus derivados, dentro do feijão. Podem acreditar que Margarida prepara um feijão gostosíssimo, sem colocar uma grama de carne ou linguiça. Agora, até estranho quando almoço fora e sinto o tempero carnal no feijão.
Os mais antigos se lembram de Dona Carminha do picado lá da feira, o mais famoso de Campina Grande. Cheguei a atendê-la como açougueiro, provar do seu picado, mas o que gostava mesmo era a chã de fora (coxão duro), fornecida pelo tio Clóvis, que ela cortava em picadinho e preparava em forma de guisado. Margarida, sem a receita da velha, faz uma de igual sabor, talvez até melhor.
Até a gelada da feira, que tanto tomava com pão doce na juventude, já não mais me atrai. Prefiro o suco caseiro, com ou sem leite, minha única especialidade na cozinha doméstica. Aprovado pelos filhos, denominado pelo saudoso de “suco do pai”, e que faz sucesso nas reuniões de nossa Equipe de Nossa Senhora.
O prato da casa é a tilápia que Margarida prepara às sextas-feiras, dia em que não comemos qualquer tipo de carne, somente peixes, hábito herdado de minha mãe, que sempre almoça conosco neste dia. O prato foi ganhando fama na esfera familiar, e há muito se transformou no cardápio de recepção aos irmãos e outros parentes que moram fora e nos visitam nas férias, além de amigos. Até Marcos Marinho e cia já provaram. O espaguete de abobrinha e cenoura que ela faz… é uma delícia!
Quando li, em janeiro, no Blog do Rubão, a crônica O sabor do perigo, de Frutuoso Chaves, pensei em fazer uma coluna sobre os surpreendentes dotes culinários de minha mulher, que me fizeram esquecer os sabores da rua. Desisti. Mas, uma postagem do genro Gustavo no grupo da família, há uma semana, me fez recolocar o tema em pauta.
Praticamente todo dia ela vai, à tarde, ajudar a filha nos cuidados com os filhinhos, um de 1,9 ano e outro de cinco meses. Na ausência da secretária que saíra mais cedo, preparou uma sopa, que mereceu elogios do exigente genro. “Uma das melhores sopas que já tomei na minha vida. Muito parecida com uma que tomei na Cabana do Possidônio em 2015”, postou.
Desde que nos casamos, sempre mantivemos, por necessidade, uma secretária; antes mesmo do fechamento da loja de carne, há cinco anos, tivemos que abrir mão desse privilégio.
Classifico a performance de Margarida na cozinha, de uns sete anos para cá, como surpreendente. Lembro que, após noivarmos, 36 anos atrás, ela espantou a sogra em sua primeira visita ao salgar o ovo que fritara com tanto carinho para ela.