Valberto José
Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.
Quando o cigarro salvou uma vida
Publicado em 22 de março de 2022Amigo meu, desses cuja amizade perdura há cerca de 30 anos, e de quem nem a distância de mais de mil km que hoje nos separa atrapalha, confessou-me que se armou para atentar contra a própria vida. Inicialmente, não acreditei na confissão, achei que seria criação de um álibi para que eu compreendesse o gesto extremo do meu irmão caçula.
Ainda hoje, em algum momento, teimo em alimentar essa dúvida. Mas não era para eu desacreditar da solidariedade extrema do amigo, duas décadas depois, já que contara a tentativa usando bastante riqueza de detalhes.
Numa sexta-feira, a mulher, juntamente com a filha pequena, viajara em visita aos pais no sítio, que ficava em outro município. Como trabalharia ainda nesse dia e teria expediente no sábado, achou melhor não as acompanhar.
Na solidão de casa, ficou dividindo o tempo entre os amigos e o aconchego materno, este, principalmente nas horas em que o estômago pedia sustância para o corpo. No domingo, levantou-se tarde, preparou o café e depois saiu, sem pressa, em direção ao lar da genitora que tem cinco filhos, sendo apenas ele do sexo masculino.
Pouco demorou por lá, pois um telefone amigo logo o convidou para o pileque dominical. Até que bebeu dentro de seus limites, mas adiou em horas o retorno para o almoço com os pais e as irmãs. A mãe, sempre zelosa, preparou seu prato e o conservou na geladeira.
Meu amigo chegou pelo meio da tarde, desculpando-se pelo atraso e ele mesmo pegou o prato feito e o colocou no forno. Sem pressa, comeu tudo, lavou o que sujou e permaneceu um bom tempo em papo familiar, quando a vontade de dormir teimava em fechar os olhos. Aí, resolveu tomar o rumo de casa e viver mais uma noite de solidão, pois a mulher e a filha só chegariam no dia seguinte.
A chegada em casa ativou a fadiga, quando resolveu se deitar no sofá. Mas cadê o sono? Sentindo a solidão subindo à cabeça, começou a pensar besteiras, vinda uma vontade incontrolável de morrer. Não resistiu.
Saiu pelos cômodos da residência simples, procurando algum instrumento que se transformasse em arma. Não encontrou. Deu mais uma volta pela casa e avistou o ferro elétrico oferecendo guarida ao seu intento. Não teve dúvidas, pegou o objeto, subiu não sabe como tão alto e preparou, numa facilidade incrível, a forca que daria cabo de si mesmo.
– Pra eu morrer tranquilo, vou fumar um cigarro, decidiu. Com rapidez, dirigiu-se à estante da sala, pegou a carteira, tirou um cigarro e o acendeu com o isqueiro de pouca chama, deitando-se em seguida. Alguns minutos ali caiu no sono, adormecendo com ele a tentação de dar cabo de si mesmo.
Acordou cerca de duas horas depois, atordoado com a loucura que quase ia cometendo. Ainda assustado, foi desfazer o cadafalso que armara, encontrando tanta dificuldade em desarmar o que preparara com extrema facilidade.