

Valberto José
Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.
Parceria bilateral
Publicado em 6 de dezembro de 2023Mesa pra mim no salão do bar só com convidado especial, a exemplo do amigo Jurandy, que vem de São Paulo
Bem antes de ‘O Bodão Bar’ surgir na gastronomia campinense, vez por outra eu amenizava a secura etílica n’O Caveirão. Antes que ‘O Bodão’ se tornasse realidade repentina, o fundador já era meu fornecedor de carne de caprinos e ovinos. A abertura do bar especializado é que transformou a parceria unilateral numa bilateralidade aconchegante, embora logo logo o fornecimento fosse cortado, por força da mudança de ramo.
O ‘Caveirão’, bar e mercearia, foi pioneiro em instalação comercial na pequena e esquisita rua do chamado cemitério do Cruzeiro, a Otávio Amorim, após estágio anônimo na Almirante, quase em frente à casa de meus pais. Toinho Caveirão, o dono, cismou em vender o prédio e o ponto, e voltar de onde viera, a zona rural. Lico, magarefe e comerciante de criação, ofício que herdou do pai, adquiriu os dois.
Causou-me surpresa quando ele, ao fazer a entrega dos bodes abatidos que meu açougue venderia naquele final de semana, confirmasse que estava negociando a compra de toda estrutura de ‘O Caveirão’. Não me surpreendeu quando, meses depois, em mais uma entrega, confirmou que seria a última, e passou o fornecimento para Peba, seu cunhado.
Por mais paradoxal que pareça, a interrupção do fornecimento aumentou nossa parceria comercial, tornando-a bilateral. Lico passou a me comprar a mistura caseira da semana e alguns ingredientes para o bar. Toda segunda-feira, dia de folga do estabelecimento, chegava ele e sua Marizélia no nosso açougue, constituindo-se, na maioria das vezes, os primeiros clientes do dia.
Na quinta-feira, retribuía-lhes a visita, tomando as três doses de costume, tirando o gosto com pedaços de bode assado ou da linguiça feita da especialidade da casa; tinha que ter um pedaço do rim da carne guisada, escolhida com gentileza pela chef, quando eu mesmo não escolhia.
Isso mesmo! Ficava ziguezagueando entre a cozinha e a parte interna do balcão, servindo minhas doses, conversando com os funcionários e os donos, e até clientes conhecidos. Somente em companhia familiar ou de algum convidado especial em almoço é que nos serviam na mesa.
A liberdade que eu tinha lá, meu amigo Lico tinha cá. No meu comércio, um “bom dia” era chave de licença para que ele abrisse a porta de acesso interno e contornava o balcão. Ficávamos conversando, enquanto ele corria os vidros, abrindo o expositor, e escolhia a peça de carne que lhe agradasse, passando para o funcionário ou eu fatiá-la; às vezes até ele mesmo riscava as fatias.
No verão, Lico e Marizelia sempre acenavam com um convite para o desfrute de uns dias no “apê” familiar em Jacumã. Preso ao comércio diário, fomos algumas vezes e vivenciamos momentos agradáveis. Fomos parceiros e somos amigos. A parceria acabou quando, há quase cinco anos, resolvi fechar a loja.
Ainda este ano, o casal repassou o negócio para o genro, a quem devo uma visita. Se com Lico os clientes o chamavam de Bodão, com o genro, imagino, chegam e tascam um “bom dia, Bodinho”.