Paraíba e sua flor de mandacaru, conheça a Cachaça Engenho Nobre Cactos

Publicado em 20 de agosto de 2024

A Cachaça Engenho Nobre Cactos é uma homenagem de Murilo Coelho ao mandacaru, o cacto que enfeita o sertão nordestino com sua beleza espinhosa, flores deslumbrantes e frutos doces. A inspiração para esta cachaça vem da resiliência e do encanto dessa planta singular, refletindo-se em um blend que inova na arte de produzir cachaças na Paraíba.

Construção eco na destilaria Engenho Nobre

Embora a Paraíba ainda não possua uma Denominação de Origem (DO) como Paraty e Luiz Alves, suas cachaças têm uma identidade própria que merecia esse reconhecimento. Muitos produtores armazenam a bebida em dornas de freijó, que, devido ao seu grande volume e estado exaurido, conferem poucas características amadeiradas ao destilado. A região é conhecida também por suas branquinhas potentes, de sabor característicos, vegetais e intensas. Afinal é a terra da Rainha Paraibana, que tamanha sua potencia alcoólica de 50% não pode ser chamada de cachaça, mas sim de aguardente.

destilador da cachaça Engenho Nobre

Em meio a essa tradição, Murilo Coelho, da Engenho Nobre, em Cruz do Espírito Santo, localizado na Região Metropolitana de João Pessoa, se destaca com blends criativos e marcantes, desafiando a prática comum no estado de produzir cachaças potentes e pouco amadeiradas. Ele utiliza carvalho e madeiras brasileiras para criar cachaças complexas e amenas, que trazem sua assinatura — o objetivo de todo mestre de adega. Junto com profissionais como Adwalter Menegatti, Evandro Weber e Armando Del Bianco, Murilo consegue imprimir sua personalidade em suas criações etílicas.

alambique da cachaça engenho nobre

Apesar do sucesso com as madeiras, Murilo reconhece a importância de uma base de excelência. Sua Nobre Cristal já se tornou referência entre especialistas e apreciadores. Recentemente, tem-se entendido que o segredo de uma boa cachaça está no processo fermentativo. Murilo inovou ao usar leveduras selecionadas, em contraste com a tradição local da fermentação com leveduras selvagens. Ele utiliza um blend de leveduras selecionadas nordestinas e investiu na engenharia das dornas de fermentação e na ventilação da sala. As dornas mais largas, combinadas com um sistema de ventilação cuidadosamente projetado, criam condições ideais para a fermentação.

Murilo Coelho

“Uma superfície maior permite que o gás carbônico produzido durante a fermentação isole as leveduras do oxigênio, intensificando a produção de álcool. A ventilação no inferior do espaço mantém a camada protetora de gás carbônico intacta, garantindo condições ideais de fermentação”, explica Murilo.

Ainda não tive a oportunidade de conhecer a produção pessoalmente, mas as imagens compartilhadas por Murilo evocam um cenário de ficção científica. A estrutura do engenho é uma obra de bioconstrução, inspirada em um projeto de colonização lunar apresentado à NASA em 1984. Murilo utilizou a técnica conhecida como hiperadobe, resultando em paredes de 40 centímetros de espessura, altamente resistentes, que oferecem excelente conforto térmico e de umidade, essenciais para o envelhecimento da cachaça.

Engenho Nobre

A arquitetura, além de reduzir o impacto ambiental, se transforma em um atrativo turístico, agregando valor cultural e ecológico ao empreendimento paraibano.

O conceito inovador de fermentação e as condições de envelhecimento da Engenho Nobre, criações do Murilo formado em engenheira civil, fornecem a estrutura para o lado criativo e artístico do produtor. Com o objetivo de produzir em pequena escala, lançando lotes limitados mas focando em identidade e qualidade, o mestre de adega vem inovando a cachaça paraibana e consolidando seu nome como um dos principais especialistas no uso de madeiras para criar blends inovadores.

Engenho Nobre Cactos

Análise da Engenho Nobre Cactos

Este blend único é composto por cachaças que passaram por diferentes processos de envelhecimento: 60% da cachaça foi envelhecida por um ano em tonel de amburana, conferindo notas doces e de especiarias; 15% foi armazenada por um ano em jequitibá-rosa, agregando suavidade e frescor; os 25% restantes consistem em cachaças envelhecidas por três anos em carvalho europeu e dois anos em carvalho americano, trazendo complexidade e elegância ao paladar.

Visualmente, a Engenho Nobre Cactos impressiona com sua cor dourado-escura e brilhante, formando lágrimas moderadas na taça que prometem uma experiência envolvente. O aroma convida à descoberta: complexidade frutada com toques de abacaxi, pêra e banana verde, que se misturam harmoniosamente a notas adocicadas de baunilha e caramelo. Há também especiarias como cumaru e canela, contribuições da amburana, complementadas por um leve toque tostado reminiscentes de toffee e defumado dos carvalhos.

Na boca, essa cachaça apresenta um corpo de médio para encorpado, proporcionando uma sensação de boca cheia e fresca. O paladar revela complexidade que, embora não tão definida quanto no aroma, encanta com nuances vegetais, além de hortelã, baunilha e frutas maduras. O final oferece uma deliciosa transição que começa doce e culmina em uma refrescância mentolada e frutada.

As inovações introduzidas por Murilo no processo de produção são claramente perceptíveis na experiência sensorial da Engenho Nobre Cactos. A inesperada presença da amburana, embora ocupe um papel significativo no blend, não se torna predominante durante a degustação, o que é um alívio para aqueles que evitam o protagonismo excessivo dessa madeira. Na composição de Murilo, carvalhos e amburana dividem o destaque em uma harmonia de dois atos, equilibrando perfeitamente o dulçor com as especiarias.

A Engenho Nobre Cactos, com toda sua criatividade e consistência, é uma obra-prima de Murilo Coelho, um dos mestres de adega mais inventivos do Brasil. Essa cachaça merece ser apreciada pura, em sua plenitude, preferencialmente acompanhada por um charuto leve para uma experiência completa que evoca a essência da flor do sertão.

Seguindo o conceito de lotes pequenos e exclusivos, foram produzidas apenas 480 unidades da Engenho Nobre Cactos, disponíveis diretamente com o produtor por R$ 130,00.

Fonte: Mapa da Cachaça (Por Felipe Jannuzzi)