Valberto José

Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.

O problema não é o uso, é o abuso

Publicado em 13 de setembro de 2024

Palavras com pronúncia e escrita parecidas, elitismo e etilismo, sugerem traduzir, na sonoridade de suas sílabas, aquilo que de mal causam à sociedade e à família. O elitista, quando pratica a segregação de pessoas na sua ganância de ter e de sede de poder; o etilista, afastando familiares, na insaciabilidade do seu vício, provocando traumas irreparáveis.

Em momento de descontração em grupo e de pouco serviço no ambiente de trabalho, um dos colegas disse, na peculiaridade de sua calma, que eu seria um viciado quando lhes confessei que costumava tomar duas, três doses de cachaça antes de almoçar, quase todos os dias. “Mas não é alcoólatra”, ressalvou, antes que eu franzisse a testa com provocação. Acabei lhe dando razão.

Passados quase 25 anos desse alerta, continuo brindando à vida com essas três doses, desde que tenha vontade de “abrir o apetite” naquele dia ou não tenha que dirigir na tarde que está chegando. Agora com um prazer a mais: poder escolher, na minha incipiente coleção, o copo a ser colocado o aperitivo que vou degustar.

Na coluna de um ano atrás, lamentei o desbotamento da gravura de um dos dois copos que a filha trouxera do Rio de Janeiro, após ser usado com cerveja. Agora, na semana do Dia da Cachaça – 13 de janeiro – lamento a perda total de um dos colecionados, numa série de coincidências inexplicáveis.

Coloquei uma garrafa de vinho junto à coleção, que fica em espaço exíguo do armário da cozinha. Dias depois, resolvi tomar um cálice do tinto seco e ao retirar a botelha sobrevoando a coletânea, ela tropeça no copo, que se espedaça no mármore negro da pia.

São muitas coincidências, não? Acontecer justo com o outro presente filial vindo do Rio, também com gravuras de paisagens cariocas; ocorrência causada pela colocação de bebida etílica que não é da cana. Se naquele a foto do Maracanã foi apagada, neste a imagem do Cristo Redentor fragmentou-se.

Observando o copo despedaçado, pensei: o alcoólatra é um cristal quebrado no piso de uma casa, deixando os moradores sem chão, ferindo a todos e causando traumas irreparáveis aos seus descendentes. E concluí que a questão não está no consumo, mas no excesso, concordando com o padre de Caicó, para quem “o problema não é o uso, o problema é o abuso”.