Valberto José
Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.
O perfume da candidata
Publicado em 19 de setembro de 2022Principal rua do Jardim 40, a Enfermeira Maria de Lourdes Silva foi terreno de minha residência por 16 anos e meu ganha-pão por 27, desde quando as mãos que me atraíram para lá me levaram ao altar. Na primeira chance que tive, após a troca das alianças, transformei a casa em ponto comercial, por sua localização privilegiada de início da via e próxima da Almirante Barroso.
Depois de dois anos dificílimos, a loja começou a prosperar e chegou à condição de não ter como conciliar residência e atividade comercial. Foi quando decidimos financiar uma casa e passamos a morar n`outro jardim, o Paulistano, permanecendo o número 62 da rua fonte de renda da família. Até resolvermos cerrar as portas, há três anos.
A localização que motivou a atividade comercial é a mesma que atrai candidatos e correligionários em campanhas políticas. Portal de entrada do bairro, com sua pracinha aconchegante, é solo propício em tempo de eleição à realização de comícios e concentração de pessoas para as caminhadas pelas ruas do bairro.
Foi em um ano eleitoral que cheguei para residir lá – um mês antes da eleição – e logo senti o impacto da zuada dos comícios ali realizados. Tempos depois, uma puxada na casa transferiu o nosso quarto para trás, e aí nenhum ruído político passou a nos incomodar.
Nas tardes de concentração, o comércio parava. O trânsito chegava a fechar em algum momento e o número de pessoas na rua e nas calçadas limitava o acesso de clientes. Mesmo assim a loja permanecia aberta.
Nessa abertura, as vendas eram substituídas pelo povo pedindo água, e os candidatos, voto. Uns, através do aceno, outros, na aproximação do balcão e buscando conversa, sempre antecipada do aperto de mão. Nunca me comprometi com nenhum deles, sob a alegação de que já tinha compromisso.
Naquela tarde, a bela candidata entrou na loja e já me encontrou fora do balcão, involuntariamente pronto para um diálogo mais próximo. As nossas mãos se entrelaçaram, assim permanecendo por todo tempo em que esteve na tentativa de ganhar o meu voto.
Depois de pedir o meu sufrágio e ouvir que eu já tinha compromisso, a conversa se estendeu, sob o testemunho de alguns correligionários, aos laços familiares. Eu, alimentando o diálogo ao lhe perguntar pelo pai, meu conhecido de muitos anos; ela, lembrando que tratara minha avó. Sem que nossas mãos se soltassem.
Até que a candidata foi soltando levemente a minha mão, o sorriso cativante modelando a fala, ao mesmo tempo agradecendo e dizendo adeus, implorando pela última vez o meu voto. Eu, devagarinho, fui retornando ao balcão, logo sentindo que o seu delicioso perfume permanecera comigo. E que perfume!
Estávamos a uns 20 dias do pleito, e a fragrância impregnou as minhas narinas de tal maneira que, no dia de votação, ainda sentia o cheiro do marcante perfume da candidata. Confesso que quase mudava o meu voto.