Amaro Pinto

Advogado, Cronista, Articulista paraibano. Fascinado, humilde e curioso aprendiz do Direito, Literatura, Teologia e Filosofia. Avante – sempre – porque somente DEUS é grande.

“O OUTRO LADO DO CAMINHO”

Publicado em 23 de junho de 2023

Tomei da famosa, inspirada e consoladora Oração de Santo Agostinho, um dos Padres da Igreja Católica Apóstolica Romana, o título que encima essas letras sempre bissextas.

Decerto que não ouso dar-me à vaidade de pretender laivos de exegese ao que escreveu em momento de elevada sublimação o Mestre de Hipona, que me adorna a cabeceira há décadas, diga-se, desde o simplório dia em que tive a graça de conhecer a sua Obra, tal como a Santo Anselmo, Orígenes e outros Patricarcas do Primevo Cristianismo e da Igreja – cujo leme foi entregue por Jesus a São Pedro – para quem lê as Sagradas Escrituras e nelas acredita – por óbvio.

Feitas essas necessárias [imprescíndíveis] ressalvas, volvo a tecer o deveras singular motivo que me trouxe a esse tão prestigiado espaço cibernético, qual seja, a experiência própria de quase atravessar as margens que separam o rio da vida, sem Caronte nem ajuda alguma, e chegar, sem nem saber como, ao outro lado do caminho.

É certo, em primeiro momento, que acometido de ingente e subtâneo mal-estar no rasgar de mais uma (quase última) aurora, adormeci em [in] consciência por tempo que não posso precisar – exceto por terceiros testemunhos de familiares e médicos intensivistas que, cada um e a seu modo deram-me a assistência premente que, antes pela Soberana Graça de Deus, salvou-me a vida, de modo que cá estou são e salvo, incólume e impávido, em minha amada escrivaninha do Escritório em CG contando a história, verdaderia raridade concedida a alguns escolhidos – sem descuro à modéstia. Quem sabe por não ser [ainda] a hora – pois.

O fato é que só e somente só (como é bom ser antigo) – apenas quando acordei (muito tempo depois) sob luzes brancas intensas e sem horas da UTI da Clínica Santa Clara (a cujo Corpo Clínico agradeço na pessoa de meu Anjo de Guarda e prima do coração Dra. Suzana Pinto) – e retomei a consciência é que pude deveras aquilatar o ocorrido em extensão, profundidade e gravidade – e depois em milagre (para quem acredita) de voltar de uma vagar silencioso e profundo em que desfiei e porfiei novelos de vidas tantas e quantas, em serena tranquilidade abissal, os quais quase me fizeram não querer “tornar” às bandas de cá, no meu dizer matuto das brenhas de São Boa Ventura.

Sim, assim o foi.

O mergulho nas águas renovadas e translúcidas que separam as margens até o outro lado do caminho inspirou-me profundamente [em corpo e alma], seja, como já dito, pela placidez tocante e alentadora nelas encontradas, seja, sobretudo, por um esvoaçar dançante em que me pus a deslizar, tal andorinha rasgando os céus em voos solitários, mas sem o sentido de perdimento, ou desorientação, ao contrário – como se esse voar fosse uma determinante preexistente e amalgamada a cada criatura e por essa razão o seguir adiante nada mais era que a consumação de um ou vários destinos postos e cosidos, ante e sobrepostos à agulhas espirituais, no semblante do eterno.

Uma paz dolente de aspirados caminhos percorridos e outra ainda maior a intuir outros e mais caminhos e estradas a percorrer – quiçá não me queriam dar a vontade de encerrar aquela experiência fantástica e sobrenatural – e digo-lhes, sabe lá Deus, o Todo´Poderoso, como voltei?

Não me darei a presunção muito menos soberba de dizer mais com antipática arrogância, exceto me permitir transcrever que, em memória de todos que já partiram, com saudade:

“A morte não é nada. Eu somente passei para o outro lado do Caminho.

Eu sou eu, vocês são vocês. O que eu era para vocês, eu continuarei sendo.

Me dêem o nome que vocês sempre me deram, falem comigo como vocês sempre fizeram.

Vocês continuam vivendo no mundo das criaturas, eu estou vivendo no mundo do Criador.

Não utilizem um tom solene ou triste, continuem a rir daquilo que nos fazia rir juntos.

Rezem, sorriam, pensem em mim. Rezem por mim.

Que meu nome seja pronunciado como sempre foi, sem ênfase de nenhum tipo. Sem nenhum traço de sombra ou tristeza.

A vida significa tudo o que ela sempre significou, o fio não foi cortado. Por que eu estaria fora de seus pensamentos, agora que estou apenas fora de suas vistas?

Eu não estou longe, apenas estou do outro lado do Caminho…

Você que aí ficou, siga em frente, a vida continua, linda e bela como sempre foi.”

Santo Agostinho.

Nada mais a dizer, nem escrever, nem pensar, somente refletir sobre as nossa comuns e imanentes fragilidades, insignificâncias e finitude, feitas em pó, todo santo dia, até a consumação final – e agradecer aos Altos Céus.

Avante porque somente DEUS é grande.

 

Amaro Pinto, 21 de junho de 2023.