

Valberto José
Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.
O jornalismo paraibano está cinza
Publicado em 28 de fevereiro de 2024Desde outubro que não tivemos uma chance sequer de sair de Campina Grande e passar um dia em sítio no seu território rural em função da demanda da hospedagem canina que a mulher mantém. Na última semana, aproveitamos a pausa nas viagens dos tutores que nos dão a preferência e passamos uns dias entre o litoral potiguar e o paraibano.
Na sexta-feira, chegamos a João Pessoa, lá nos dividindo entre o aconchego manhoso do filho Hélder e de sua Kellyane e a acolhida sincera das cunhadas, com esticadas às praias, barraca praiana, pizzaria, e até festa de aniversário. Tempo esse que pausei as costumeiras leituras e os contatos via redes sociais.
O marcante mesmo foi um reencontro 48 anos depois. Sim, em que pese morarmos a apenas 130 Km de distância, vi Rilda Gervásio pela última vez na festa de conclusão da turma pioneira do Primeiro Grau do Colégio Vera Cruz, em Patos, em dezembro de 1975.
Desde então, a pequena turma se dispersou e apenas uma colega, Norma, fiquei tendo contato; o milagre das redes sociais fez com que reencontrasse outros dois.
O reencontro com Rilda foi maravilhoso; fomos bem acolhidos pelo marido português. “Margarida parece ter sido da turma”, disse ela, em certo momento, pela interação fluente entre nós quatro. Saí de lá com o remorso pela desfeita com Gabriel, o seu marido. Alegando estar dirigindo, cometi o pecado de não aceitar um cálice do legítimo vinho lusitano, que ele nos ofereceu.
Paradoxalmente a alegria de reencontrar Rilda, me veio a notícia, pouco antes de vir embora nesta segunda-feira, do falecimento de Agnaldo Almeida, mestre do jornalismo paraibano. Pessoalmente, não conhecia Agnaldo, no entanto fui leitor de sua coluna até quando esteve em atividade.
Especializado no jornalismo político, Agnaldo de vez em quando nos brindava com textos sobre outros assuntos, a exemplo do que Heron Cid republicou em seu blog, sobre a derrubada da Barraca do Pau Mole. Tenho arquivada uma crônica que ele escreveu em 2009 e que sempre releio, pela beleza do texto, externando a saudade paterna. Divido-a com vocês na sequência.
O inverno que não passa
Por Agnaldo Almeida
Entrei pelo portão principal, estacionei o carro, peguei o guarda- chuva e enfrentei a chuvinha fina que caía intermitente. O céu continuava pesado, cinza, e acho que dentro de mim, no meu coração e até nos meus olhos, tudo era cinzas.
Olhei o extenso gramado, salpicado de lápides, e caminhei lentamente em direção ao local onde exatamente há três anos deixei meu pai descansando. Tinha uma noção vaga do lugar em que o deixara. Como esquecera de anotar o número da quadra, saí olhando uma por uma aquelas pedras, geometricamente dispostas, com suas inscrições.
À exceção de um rapaz que cuidava de replantar grama num setor mais distante, não havia ninguém por perto. Viv’alma. Passei por Emilias, Arnaldos, Lindauras, Alfredos e nada de encontrar “seu” Agripino.
Ele tinha ficado perto do muro – disso eu tinha certeza, mas perto do muro ele não estava mais. Severinos, Marias, Armandos, Onofres, por estes eu passei e repassei várias vezes. Só “seu” Agripino, de pedra e inscrição, não me aparecia. No cemitério, as lápides são todas iguais, ainda que representem vidas tão diferentes.
De repente, passou-me a estranha e incômoda ideia de que o houvessem retirado dali. Seria possível? Sozinhos, acho que eu e meu guarda-chuva começamos a pensar bobagens.
Caminhei sem sucesso de um lado para outro. Intimamente, mas sem excessivo rigor, censurei-me por não saber exatamente onde havia deixado meu pai pela última vez.
Socorreu-me um senhor que de repente surgiu do nada, perguntando-me se desejava alguma coisa.
– Estou procurando o túmulo de Agripino Almeida, mas não consigo encontrá-lo.
– Sabe o número do lote?
Disse que não, e a seguir ele me pediu que o acompanhasse. Fomos ao prédio onde funcionam as capelas e ele abriu a gaveta de uma mesinha.
– Agripino de quê?
– Almeida. Agripino e Arlindo Almeida.
O cidadão percorreu com o dedo uma lista com vários nomes e finalmente achou.
– É a quadra 5A, lote 515. Fica mais ou menos ali, e apontou para uma área já bem afastada do muro.
– Mas eu lembro que o túmulo ficava pertinho do muro…
– É, senhor, mas nós ampliamos esta área e o muro andou um pouco mais para lá. Os túmulos, não.
Registrei a graça do homem, mas não ri. Fui direto para a quadra que ele indicou e não tive dificuldades em encontrar “papai”. Isto é, em encontrar a pedra, que sendo igualzinha às outras no meio de um mesmo gramado, fazia para mim tanta diferença na manhã chuvosa de hoje.
Li e reli o seu nome e o de Arlindo e fixei-me naquelas letras como se, por um instante sequer, pudesse revê-los. Passa um filme na cabeça e foi assim comigo. Fechei os olhos e fiz uma oração.
Voltei a olhar para os dois, ali de pedra, e devagar fui me afastando, furando a grama com a ponta do guarda-chuva. Que naquela hora era mais bengala e apoio do que qualquer outra coisa.
Aliás, nem chovia mais. Quando entrei no carro tive a nítida impressão de que em certos momentos de nossas vidas não há guarda-chuvas possíveis. Afinal, é por dentro que a dor nos molha.
E desde o dia 26 de maio de 2006, esse meu inverno não passa.