Valberto José

Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.

O fantástico talento de um artesão de réplicas

Publicado em 29 de agosto de 2022

Não é difícil concordar que “nada substitui o talento”, como assegura o slogan do prêmio Profissionais do Ano da Rede Globo, quando se conhece a obra de Olivan Figueiredo Leite. Uma obra fantástica, cuja perfeição parece não ser de mãos humanas, mas da planta moderna das montadoras de carros.

Ao revisitar o atelier caseiro do artesão patoense constato, no entanto, que uma condição ou estado humano empana o talento, obstruindo ao mundo a oportunidade de conhecimento de uma obra tão fantástica. Freud explica… Ou não?

A primeira peça que conheci do pintor automotivo aposentado foi uma réplica de oficina de moto, reproduzida ricamente em todos os detalhes, numa técnica que desafia a habilidade humana. Só vendo!

A réplica da oficina de Olivan tem de tudo que uma completa oficina devia ter no tempo que fora confeccionada. As paredes ornamentadas com miniaturas de capacetes, rodas e pneus organizadas em pranchas; na parte de baixo, duas bancadas de apoio com gavetas e, em cima, ferramentas e equipamentos utilizados pelo mecânico.

Completa o conjunto da oficina, um balcão expositor com acessórios disponíveis aos clientes, um equipamento em cima e ainda um conjunto de ferramentas posicionado no chão. Mais à frente, um elevador pneumático com uma moto nos mínimos detalhes.

Ao lado do elevador, o mecânico consertando o veículo, rigorosamente bem vestido num macacão azul, boné e botas. No espaço, há o setor de espera do cliente, com um freguês na leitura de jornal.

O mais incrível é que tudo funciona feito um presépio de Natal mecanizado. Ver-se, ao ligar a réplica na tomada, todo o movimento do profissional, desde a giração do corpo ao mover das mãos na execução do serviço. Até o cliente em espera gira o rosto lendo o jornal.

Na revisita ao ateliê de Elivan, no final de julho último, encontrei três novas obras de arte. A miniatura de uma pipoqueira e da caminhonete Chevrolet dos anos de 1960, bem como a réplica de um curral bovino, encantam qualquer ser humano.

Quem as observa, diante da perfeição e dos mínimos detalhes reproduzidos em cada peça, não tem como não voltar aos tempos de criança, pois desperta profundamente nossa memória afetiva.

Naqueles instantes diante das peças do artesão sertanejo, já não me encontrava no seu ateliê, mas no sítio Cajazeiras de minha infância, na casa de meus avós maternos, dormindo em rede no terceiro quarto da casa. Retornei ao ambiente artístico com o chamado de Zé Paulino, o avô, para tomar leite cru no curral.

Diante da miniatura da caminhonete Chevrolet dos anos de 1960, me veio à mente a viatura da Polícia Militar patrulhando a Rua Almirante Barroso dos meus tempos de menino. O carro artesanal lembrou também a caminhonete dos irmãos Camilo e Neco, tios de minha mãe, saindo da fazenda.

Naqueles instantes de devolução tempral, me vi abrindo a porteira para Aluísio Silva passar, no volante de sua caminhonete 1963, e poder chegar na sua fazenda, que ficava vizinha ao sítio. O homem da Chevrolet, de cachimbo na boca, me agradecia com um saco de pães ou uma revista esportiva com fotos de Pelé e Garrincha de mimo.

Quando acionada na tomada elétrica, a pipoqueira movimenta todo complexo, desde o homem acionando a panela ao pular das pipocas. A réplica do curral mostra o vaqueiro no processo de ordenha, o jorrar do leite e o animal se alimentando.

A miniatura da caminhonete impressiona pela fidelidade ao visual e pelos itens reproduzidos em cópia fidegna de seu interior. O capô se abre e mostra a autenticidade da miniatura do motor; toda reprodução do interior da cabine é perfeita.

Uma timidez crônica impede que Olivan, do tipo discreto, exponha suas peças em público. Tenho acesso ao seu ateliê em função da amizade familiar com sua mulher, Norma Marinho, que foi colega de colégio na adolescência e tem minha mãe como sua segunda mãe, e a mim e uma mana, irmãos.

A pipoqueira foi a única peça de Olivan que um limitado público teve acesso, levada que foi por Norma a uma amostra da Natura, marca da qual a professora aposentada é consultora em Patos.

Nada substitui o talento, portanto, mas a timidez o empana e impede que o artífice se torne conhecido e até obtenha êxito comercial com o seu trabalho. Que pena! Diria Peninha, compositor de grandes sucessos e que não teve maior destaque como cantor, justamente em consequência de sua timidez após estourar com a música Sonhos.