Valberto José

Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.

O casal que não fazia todos os PCE’s 

Publicado em 30 de agosto de 2023

Assisti a pouquíssimas peças de teatro e sequer havia lido um texto teatral. Participantes das Equipes de Nossa Senhora e, neste ano, especialmente, na qualidade de Casal Responsável pela equipe de base, sendo membros do colegiado do Setor B – Campina Grande, Margarida e eu fomos encarregados de motivar os demais cônjuges a juntos prepararmos o tema a ser apresentado no Mutirão 2023.

O evento reúne, anualmente, todos os equipistas de cada setor (Campina Grande tem dois) e visa reanimar, de forma descontraída, a todos das propostas do movimento, principalmente a da espiritualidade conjugal. Em sorteio, nossa equipe ficou com o tema Pontos Concretos de Esforços, e apresentação de forma humorística.

Como fazer humor, com casais meio sisudos, a maioria deles traumatizados pela timidez? De imediato me veio a motivação de escrever um texto revivendo fatos testemunhados e até vividos. Pesquisei textos teatrais, logo aparecendo na tela um curto trecho de Álbum de Família, de Nelson Rodrigues; lido, em que pese a diferença de gênero, parti para rabiscar o meu.

Apresentado à equipe, ninguém se dispôs a interpretar os dois personagens e me convenceram a aceitar o desafio junto com Margarida. “Já paguei um preço alto pela minha timidez. Vou topar”, disse. Tremi “que só vara verde”, foquei no personagem e, junto com ela, arranquei gargalhada dos irmãos de movimento.

O texto é o que segue: 

NARRADOR – Elói está no banheiro, e a mulher, na sala distante, falando. Ele até escuta, mas como fala baixo, se responder ela não vai escutar.

CAROLINA – A gente precisa cumprir os Pontos Concretos de Esforços, Elói. Nunca mais a gente fez a Oração Conjugal,  nem leu a Bíblia, até a Missa no domingo tem faltado. Domingo vai, domingo não. E o Dever de Sentar-se a gente nunca faz.

NARRADOR – No banheiro, ouvindo tudo, sem compreender, o homem resmunga:

ELÓI – Ela já começou a falar sem estar me vendo. Nem sabe onde eu estou.

NARRADOR – Depois de certo tempo, ao sair do banheiro, ele se dirige ao local em que ela se encontra. Antes de ele se aproximar, a mulher fala:

CAROLINA – Tu não estás ouvindo-me falar não, Elói?

ELÓI – Amoreca, como é que eu vou ouvir trancado no banheiro, e tu na sala. Se eu responder tu não vais me ouvir… Agora pode falar, amoreca,  que estou perto.

CAROLINA – Eu falei que a gente não está praticando os Pontos Concretos…

ELÓI – Minha amoreca, eu não sou pedreiro para fazer concreto.

CAROLINA – Eu falo dos Pontos …

ELÓI – Naquela avenida tem muitos pontos…

CAROLINA – Pontos de quê, Elói?

ELÓI   – De ônibus, e acabei de fazer esforço…

CAROLINA – Que esforço, que esforço, que eu não vejo?

ELÓI – Esforço concentrado.  Eu dentro do banheiro e você fora,  você não ia ver nunca.

CAROLINA – Eu não estou de brincadeira, não. Com as coisas de Deus não se brinca.

ELÓI – Minha Nossa Senhora!

CAROLINA – Isso mesmo, de Nossa Senhora também. Por isso a gente é das Equipes de Nossa Senhora.

NARRADOR – Continuam na conversa, ela se levanta e para, ficando em pé. Ele continua andando e, sem querer, pisa no pé dela.

CAROLINA – Você está doido pisando no meu pé…

ELÓI – Doido é você que colocou o seu pé debaixo do meu.  Eu que ia tropeçando, caindo…

CAROLINA – Tropeçando já estamos nos PCE’s…

ELÓI – Daqui a pouco você diz que eu sou do PCC.

CAROLINA – Tá bom, Elói, vamos conversar direito. Nós não estamos cumprindo os Pontos Concretos de Esforços como o movimento orienta.

ELÓI – Concordo, concordo. Feito o Concorde.

CAROLINA   – O que é Concorde, homem?  

ELÓI –  Um avião bem grande. Supersônico, lembra não? Falando nele, já está me dando sono. Vamos nos deitar… se concordar, embarco nesse avião…

CAROLINA –  Já está pensando besteira.

ELÓI – E isso é besteira, mulher?  É um ato normal,  da natureza entre um casal.

CAROLINA – Isso não é hora da gente falar nisso, não. Estamos falando das coisas de Deus.

ELÓI – Essas coisas são de Deus, amoreca.  Ele não disse que a gente, quando se casa, se torna uma só carne. Está na Bíblia:  “Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher; e os dois formarão uma só carne”.

CAROLINA – Tá certo, tá certo. Mas vamos conversar sobre os PCE’s.

ELÓI – Vamos, mas veja que eu não sou do PCC e nem o PC, aquele, aquele de Collor, que terminou na cova dos infernos.   

CAROLINA – Cruz Credo! (se benze)

CAROLINA – Eu sei que você lê o Evangelho do dia, mas não medita.

NARRADOR – O homem, então, começa a cantar:

ELÓI – “Passo as noites meditando, Revivendo meu castigo…

NARRADOR – Rápida, ela o interrompe:

CAROLINA – Já vai cantar tuas músicas do tempo do ronca.

ELÓI – Se teu nome fosse com K, diria que tu és o maior estrupício da minha vida, feito a Karolina de Gonzaga.

NARRADOR – O homem se retira, quando volta, a mulher, com calma, insiste:

CAROLINA – Sei que você faz a oração pessoal, mas a gente precisa fazer a Oração Conjugal.

ELÓI   – Está certo, a partir de hoje vamos fazer todo dia. Prometo!

CAROLINA – Você agora é meu Elói e meu herói.

NARRADOR – Nova pausa, agora ela sai do ambiente, quando volta, confessa:

CAROLINA –  Estou feliz porque a gente está fazendo a Oração Conjugal, como pede o movimento, mas falta fazer a Regra de Vida.

ELÓI – Homem não tem regra, não. Só a mulher…

CAROLINA – Mas o casal da Equipe deve ter, pede o movimento.

ELÓI – E na tua idade a mulher não tem mais regra…  

CAROLINA – Não sei por que todo homem é malicioso. Só pensa nessas besteiras. Vamos mudar de assunto. Esse ano vamos para o Retiro, né.

ELÓI   – Eu não sou artista pra ir pro Retiro dos Artistas.

CAROLINA –  Não é esse retiro que eu estou falando, não. É o retiro da Equipe, lá no convento, todo mundo vai…

ELÓI – Ah, estava ficando animado. Pensei que ia só nós dois, se arranchar numa pousada, sem ninguém pra atrapalhar.

CAROLINA –  Você só pensa naquilo.

ELÓI  – Não é tão bom coisar, amoreca. Casal é pra coisar mesmo. Sem coisar, passei a comer demais, até engordando, feito o padre.

CAROLINA – Tu és um herege mesmo. Até dos padres fala…

ELÓI  – Eu não, estou dizendo a verdade. Tu não lembras, não. Quando ele jantou aqui, cheio de convidados, ele comendo de tudo, sem parar. Aí uma pessoa pediu para ele diminuir a comida e ele disse que não, já tinha cortado refrigerante. Justificou que é muito ocupado, tem os problemas da comunidade, escuta problemas das pessoas, muita desgraça, os pecados na Confissão e se estressa muito.

CAROLINA – É… lembro

ELÓI –  “Vocês podem coisar, eu não posso, então como”,  disse, assim, bem engraçado.

CAROLINA – Esquece, esquece isso. Vamos fazer o Dever de Sentar-se, que é melhor.

ELÓI – A gente não está fazendo nem o dever de deitar…

CAROLINA – Para! Já estás me enchendo.

ELÓI – Como é que eu estou te enchendo se nunca mais a gente fez nada, se tu não podes ter mais menino?

CAROLINA – Para, por favor!

ELÓI – Tá bom, me desculpe. Estou brincando. É que eu gosto de brincar… tu saaabe…

ELÓI – Eu vou é tomar banho agora.

NARRADOR – Enquanto o homem foi tomar banho, a mulher permaneceu na sala, pensando nas tentações do marido e nas besteiras que ele diz em forma de brincadeira. Quando voltou, a mulher ainda estava nesse enlevo, até rindo, e isso o animou a um galanteio. Então, passou a mão, carinhosamente, na cabeça dela, levemente levantou o cabelo e lhe beijou a nuca. Ela, com certa irritação, reagiu.

CAROLINA – A gente está em lua de mel, é?

NARRADOR – O homem ficou em silêncio, foi saindo em direção ao quarto, mas entrou no banheiro social, onde ficou, sentado no vaso, murmurando a resposta inesperada:

ELÓI – Essa mulher não quer mais saber de mim. Bom se eu fizesse feito Eriberto, meu amigo que morava em Brasília, casado há mais de 30 anos com uma mulher conterrânea. Montou um armarinho pra ela, e quando queria alguma intimidade ela nada. Só queria viver no armarinho e cuidar dos netos. Então, voltou para a Paraíba e arranjou outra.

NARRADOR – Ficou pensativo por um tempo e disse:

ELÓI – Mas eu não quero essa vida pra mim não, casei pra viver até que a morte nos separe.

NARRADOR – O homem se levantou, saiu do banheiro em direção ao local onde a mulher estava e lhe falou:

ELÓI –  É… temos mesmo que fazer o Dever de Sentar-se.

CAROLINA – Oba, graças a Deus!   

E se abraçaram e se beijaram.