Valberto José
Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.
O “carão” que Luiz Gonzaga me passou
Publicado em 12 de dezembro de 2023Certamente a autenticidade, além do talento e do carisma, contribuiram para a afirmação de Luiz Gonzaga como um dos maiores nomes da Música Popular Brasileira. A autenticidade do Rei do Baião está na voz, nos temas cantados, na maneira de se vestir como artista regional e no seu jeito de falar e dizer o que pensa ou sente.
Na semana em que se festeja o nascimento de Luiz Gonzaga, o meu inesperado encontro com ele, no Parque de Exposição do Ligeiro, quando a Exposição de Animais de Campina Grande era atração tripla em máquinas e equipamentos agrícolas, plantel e elenco artístico. Não lembro exatamente o ano — 1977 ou 1978 —, foi da vez que Chacrinha, com suas chacretes, também se apresentou e reclamou da precariedade da iluminação do local.
Estudante do Estadual da Prata, sabendo do show no evento, gazeei as últimas aulas e, ligeiro, me dirigi ao Ligeiro. Após um passeio observando as novidades em máquinas, equipamentos e plantel, fui me dirigindo ao local das apresentações artísticas, quando, ainda distraído com o que estava exposto, me virei e avistei, ao meu lado, Gonzaga caminhando, acompanhado de várias pessoas.
Naturalmente, minhas atenções se voltaram para ele, já com os paramentos para a apresentação. De repente, um rapaz passa à minha frente, contorna em direção a Gonzaga e, de lápis na mão, lhe pede um autógrafo, prontamente atendido. Motivado pela ousadia do desconhecido, criei coragem e resolvi pedir também.
De farda tradicional do Gigantão da Prata — camisa e calça cáqui — puxei um caderno capa mole do bolso, me aproximei do homem e falei: me dê autógrafo também. “Cadê o lápis?”, perguntou com sua voz grave. Sem disfarçar o nervosismo, passei as mãos pelos bolsos e não encontrei. “Tenho não”, disse. “Como é que você vem me pedir um autógrafo e não traz o lápis?”, repreendeu.
Confesso que não levei a sério a negação e nem a severidade do artista. O tempo foi passando, casei, vieram os filhos, e na adolescência deles é que tomei conhecimento, através de seu sobrinho, o também sanfoneiro Joquinha Gonzaga, do real motivo do artista não atender meu pedido. A falta do lápis foi o pretexto.
Na fase radical de rock do filho Glauber, na brincadeira do “Inimigo Secreto” no colégio, o colega lhe presenteara com dois discos de forró, um daquelas bandas do Ceará e outro de forró autêntico, justamente o de Joquinha. Conhecedor do meu gosto musical, Glauber me repassou os CDs; fiquei com o de Joquinha.
No disco, o sobrinho do Rei do Baião interpreta uma música bem ao estilo do tio em algumas delas, a exemplo Karolina com K. Daquele jeito, a sanfona gemendo, os demais instrumentos cadenciando o ritmo, e o cantor, em vez de cantar, conta causos. Na sua interpretação, Joquinha detalha as aventuras acompanhando Luiz Gonzaga pelo interior nordestino.
Ao chegar numa cidade, Joquinha dirigindo o carro, Gonzaga ordena entrar à esquerda. “Tio Gonzaga, ali é contramão”. “Tá conversando, rapaz. Quem está mandando sou eu”. O sobrinho obedeceu e logo avistou o guarda, vindo em direção ao carro, apitando e mandando encostar logo. “Tio Gonzaga, eu não disse”. “Deixa comigo”, avisou.
– Seu Luiz, aqui é contramão”, avisou o policial, já reconhecendo o artista.
– Mas não era. Até um dia desse nem asfalto tinha aqui”, justificou.
– Mas não tem nada, não. Me dê um autógrafo, pediu o guarda.
– Já começou a me perturbar, replicou o cantor.
Foi aí que eu soube que Luiz Gonzaga não gostava de dar autógrafo. “Quando pedia autógrafo, tio Gonzaga dava um pitoco (carão)”, confirma Joquinha.