Valberto José

Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.

O brilho daquele olhar (III) 

Publicado em 23 de fevereiro de 2023

Deus escreveu certo nas sinuosidades das linhas do romance que eu estava tecendo com Lícia quando semeou a flor do Pajeú no meu caminho pela terceira vez. Nativa daquele sertão de poesia e adubada no agreste da Borborema, naquele instante foi glosa em vários sentidos, mas sobretudo mote de final feliz.

Ciente de meu passado de namoro com a mesma pessoa em duas oportunidades, Lícia sempre demonstrou certa segurança no nosso relacionamento. Nem ao ver essa pessoa na portaria do meu trabalho fez gestos de ciúmes. Parecia saber que a ex estava ali esperando a amiga que secretariava um dos meus chefes. Pudera, seis meses de dedicação exclusiva e irrestrita…

Soubera naquele dezembro que a ex iria a São Paulo e, naquele sábado, aceitei um convite e fui a uma confraternização natalina na granja de um tio, passando em casa rapidamente apenas para me arrumar. No domingo, após terminar meus serviços na redação do DB, despretensiosamente resolvi ligar e lhe desejar boa viagem, pensando que partiria no dia seguinte.

“Fui ontem em tua casa e tinha ido a uma festa”, surpreendeu, após atender a ligação. A conversa evoluiu para um convite, logo aceito, de despedida. Em plena noite de segunda-feira, estávamos em aconchegante barzinho no centro da cidade. Momento de boas conversas entre amigos, acenado por outro convite tentador.

Na tarde de terça-feira, após adiantar o fechamento da página de esportes do dia seguinte, rumei para o aeroporto, antes avisando na portaria que dissesse a Lícia que iria fazer uma reportagem naquele local de despedida. Nos despedimos como bons amigos, ela com o engodo de que talvez não voltasse mais.

Desde então nenhuma comunicação, e os encontros diários com Lícia acontecendo. Um dia após o Natal, chega um cartão de boas festas e feliz ano novo, que me deixou uma estranha alegria; aí, outro hiato nos contatos, sequer telefônico, pois os interurbanos eram quase impossíveis naquela época, pelas cifras cobradas.

Se tudo começara num domingo, a resolução viria no Dia do Senhor. Adiantei a edição de segunda-feira com um especial, findando cedo, enquanto o editor de plantão pediu para eu fazer a cobertura do vestibular. Estava redigindo a matéria quando o telefone toca e uma voz me surpreende. “Cheguei! Estou aqui na rodoviária, vem me buscar”.

Sem conter a alegria, acelerei a conclusão do texto, passei para o revisor e fiz carreira ao terminal. Um abraço aconchegante nos uniu e um beijo, agora sim, selou a renovação do namoro pela segunda vez. Naquele domingo, já não fui mais à casa de Lícia; voltei na quarta-feira para terminar o relacionamento.

Na semana seguinte, Lícia me liga e propõe uma conversa. Sentados num dos bancos da pracinha da Catedral, me pediu explicação e confessa o desejo de reatar o relacionamento. “Com Margarida!”, mostrou-se irritada, após saber de toda a verdade.

Diante da firmeza da minha decisão, Lícia levantou a cabeça e, em silêncio, fitou o além no sentido sul da cidade, sem mover os olhos, que ameaçavam prantear. Uma força maior conteve o pranto, e o brilho daquele olhar turvou-se nas lágrimas contidas.

BODAS DE CORAL

Ainda hoje aquele olhar me causa compaixão e piedade, sentimentos que eu não poderia colocar em prática naquele momento e nem nunca. Renovei o namoro com Margarida naquele janeiro, noivamos em março e casamos em outubro. Este ano, com as graças de Deus, festejaremos Bodas de Coral. Quanto a Lícia, recuperou o brilho.