Valberto José

Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.

O brilho daquele olhar (I) 

Publicado em 9 de fevereiro de 2023

Se não fosse minha displicência perceptiva, teria entendido que Lícia já me olhara com algum interesse quando nossas vistas se cruzaram, no início daquela tarde de sábado, na feira central. Ela atravessou de um lado a outro a principal via do Mercado Central, desviando do seu percurso, e veio em direção ao meu box comprar sua mistura da semana.

Não lembro se falamos mais do que o diálogo comercial, mas gostou das minhas carnes. No sábado seguinte, no mesmo horário, sem a precisão dos minutos, Lícia voltou para suprir suas necessidades de proteína da semana. Dela e da mulher que a adotara, únicas moradoras de uma casa simples do bairro da Liberdade.

De modo que cativei a fidelidade da cliente e fomos nos conhecendo em conversas que avançavam para temas onde morava, onde trabalhava. Nada de maiores pretensões de minha parte, apenas tentando garantir a fidelização da morena clara ou no máximo uma amizade despretensiosa, embora a solidão, naquele momento, fosse “minha companheira inseparável”.

A pintura mudou de figura quando Lícia confirmou que trabalhava numa loja de tecido da rua João Pessoa e eu lhe disse que uma vizinha minha também era colaboradora lá. No primeiro contato com a vizinha, também minha manicure, informei-lhe da nova cliente; no segundo, semanas depois, ela riu quando lhe perguntei pela colega. “Ela está afim de namorar você, mas achava que você fosse casado”, soltou.

Coincidência ou não, Lícia passou dois sábados sem vir. O ditado popular garante que quem está vivo, sempre aparece. Menos de um mês depois, ela reapareceu, elegante, numa saia jeans longa, em vez da calça jeans costumeira. Estava de férias, conversamos mais, mas nada que evoluísse para um compromisso.

O tempo foi passando, eu na minha, sem tomar a iniciativa, também sem perceber interesse cristalino dela. Parecia conformado com a solidão, embora um vazio insistisse em me atormentar. Tempos depois, entre uma cutilagem e outra, a manicure, atenta ao seu trabalho, me surpreende com um “Lícia mandou dizer que não a procurasse mais, pois está de namorado”.

Quando eu renovei um namoro que acabara há três anos, minha adjacente me vem com outro recado de Lícia, mais confiante, justamente que acabara o dela. Como nunca gostei de ficar com duas pessoas ao mesmo tempo, devolvi com um “diga a ela que estou namorando”.

O idílio renovado resistiu apenas um ano, voltando-me à solidão costumeira, agora também afastado da feira. Mesmo em mais uma fase de solteirice, os desencontros entre mim e Lícia ainda não tiveram um ponto final.

Numa tarde de sábado, de novo na cadeira da manicure, Lícia, em mais uma correspondência verbal, agora mais incisiva, avisava que não olhasse mais pra ela. Estava casada. Depois de tantos desencontros, foi a senha para, finalmente, um encontro, mais tarde, entre nós dois.