Valberto José
Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.
Neuri Rodrigues de Sousa
Publicado em 19 de dezembro de 2023O fechamento da minha loja de carnes completa cinco anos em janeiro próximo, decisão amarga tomada em um momento delicado da minha vida. Não tenho saudade da especialidade comercial a que fui chamado, mas a nostalgia comprime o peito quando as lembranças se voltam à freguesia, o que já me motivava a saudar, na data, os dois clientes mais longevos. Na última semana, o de maior longevidade virou saudade eterna.
Logo nas primeiras horas da quinta-feira, 14, fui surpreendido pelo WhatsApp que Neuri Rodrigues de Sousa falecera. A nossa relação comercial durou mais de quatro décadas e só acabou quando, no início de 2019, cerrei as portas do açougue que mantinha no Jardim 40, permanecendo a amizade. Lá, ele costumava chegar nas manhãs de sábado, após suprir as necessidades da semana na Feira Central.
Nosso conhecimento teve início em 76, quando fui trabalhar com Clóvis, que, embora já estabelecido em José Pinheiro, tinha o forte do seu comércio no Mercado Central, nos dias principais de feira, e Neuri cliente certo. Em 82, com o aquecimento das vendas no bairro, meu tio deixou a feira, me passando o ponto de carnes e parte dos clientes, o advogado engrossando a lista.
No auge do ágio do Plano Cruzado, em 86, premido pela rígida fiscalização dos preços, deixei a feira. Continuei colaborando no estabelecimento familiar da Zona Leste, agora Nutricarnes, loja que Neuri passou a prestigiar, eu atendendo. Cinco anos pra frente, o tio assumiu temporariamente a loja do irmão Clemílcio, na Palmeira, e me transferiu pra lá, e Neuri me acompanhou.
No ano seguinte, abri o meu comércio, onde pude comprovar que a fidelidade comercial de Neuri ia muito além das compras, era pura amizade. Cerca de um mês depois da abertura do estabelecimento, ele me surpreendeu com sua presença, que passou a ser constante desde então. Antes, ele cuidara da escritura do imóvel que se transformaria também em açougue; desta vez, além de conhecer a loja, conheceu também os cômodos da casa.
O amigo Neuri era dos poucos clientes que chegavam, davam o bom dia costumeiro, já abrindo a porta do balcão, ficando na parte interna conversando comigo, com Margarida e os colaboradores, enquanto era atendido. Se eu estivesse dentro de casa tomando o café matinal, ele se dirigia ao refeitório, onde colocávamos os assuntos em dia; também algumas vezes estive em sua casa.
Em três oportunidades, precisamos de seus serviços advocatícios. Na última, a regularização da data de nascimento de Margarida, já sabendo de nossas dificuldades financeiras, foi pragmático. “Margarida, pega teu cartão, vai na loja e compra uma TV, que está em promoção em 12 meses”, disse, entregando o documento regularizado.
Um dia, depois de muitos anos, me confessou ser membro do AA (Alcoólicos Anônimos), e nem essa condição o impediu de que me convidasse para passeios na granja que adquirira na zona rural de Serra Redonda e levasse minha bebida. Era um entusiasta da irmandade, e num dos nossos recentes contatos telefônicos, falou com alegria do encontro nacional que estava acontecendo no Sesc Açude Velho, em novembro.
O fechamento comercial e a pandemia motivaram nossos desencontros. Nesses quase cincos anos do fechamento da loja, nos vimos poucas vezes, das quais apenas uma fui à sua casa. Quando perdi o filho, Neuri me ligou, prometeu me visitar, mas o deixei à vontade, pois compreendo que nem todos têm ânimo à visitação numa situação dessas.
Num dos últimos contatos via celular, prometi lhe fazer uma visita, mas fui adiando, adiando… até programar para a última semana do ano. Não deu tempo. No passamento do amigo, ele me deixa esta lição: o amanhã pode ser tarde demais.