Valberto José

Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.

Micção premonitória 

Publicado em 4 de outubro de 2022

A “festa” acabou em caminhada num tempo em que não se falava em caminhada e transformou minha ansiedade em decepção dupla, além de sinalizar a premonição de minha caminhada conjugal. Tudo aconteceu na segunda metade da década de 1960, não recordo exatamente o ano, mas imagino que em um dia de São Vicente de Paulo.

A pretexto de uma “festa”, fui convidado a acompanhar dona Passinha, que morara por uns tempos com meus avós paternos na “casa grande” do bairro do Cruzeiro, ao instituto que leva o nome do santo, às margens do Açude Velho. Não lembro se convidado, nem por quem ou se me insinuei na pureza de meus anos pueris. Fui autorizado a ir com a velha.

Dona Cleonice me trajou com a melhor roupa, e eu sai em disparada da casa paterna à casa dos avós, onde a humilde velhinha já me esperava para iniciar a caminhada que preparara sem que eu soubesse. Ir a pé – e voltar também – foi a primeira decepção.

Naqueles anos, a pavimentação em calçamento da rua Almirante Barroso chegava até à entrada da Rio de Janeiro, no Quarenta. Dali em diante e por todo o Cruzeiro, o barro e a poeira, nos tempos de seca, dominavam o cenário, dando lugar à lama e às poças d’água no vigor do inverno.

Saímos da “casa grande” sob o sol ardente do início da tarde, expostos à poeira levantada pelos carros e ônibus. No pé da ladeira do “Alto Seixo” (trecho entre o hoje bar de Gilsão e o antigo Café Diamante, atual fábrica Forno Nobre), onde havia uma lagoa, estranhei a velha parar.

Parada, fez sinal, pronunciou algumas palavras tipo “vamos por aqui” e desviou o caminho por onde hoje é o Jardim 40. Não havia casa alguma, somente mato e roçado, mais mato do que roçado. Essa pequena trilha contornava a torrefação de seu Macedo e terminava no posto de gasolina, para de novo seguir pela Almirante.

Distanciando-se da rua, na primeira árvore mais frondosa que encontrou, dona Passinha quedou-se para uma micção providencial, marcando a propriedade de forma premonitória. Ignorando a presença do menino que eu era, compassou as pernas simetricamente e, de pé, aliviou suas necessidades, vertendo ali o seu líquido excrementício.

No São Vicente, entramos com a igreja já lotada, mas encontramos bancos nos quais sentamos com certo aperto. Recordo que uma freira passou entre eles e me olhou com excesso de admiração, certamente surpresa pela roupa alinhada que eu vestia. Logo na entrada, a segunda decepção: só tinha velha.

Ao chegar em casa, depois de outra interminável caminhada, cansado, me joguei no sofá, e antes que minha mãe perguntasse alguma coisa, desabafei usando o refrão de um forró de Elino Julião, sucesso da época. “Mãe, é mesmo que o forró da coreia: só tem veia”.

Casei-me no dia 8 de outubro de 1988 e fui morar no Jardim 40, loteamento que depois se transformou em bairro. Anos mais tarde, já de comércio instalado, lembrando o passeio e a finalidade do desvio, pensei: “no terreno que dona Passinha miccionou, eu me casei e estou ganhando o meu pão”.