Valberto José

Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.

Memorial do Cuscuz é passado presente e amor restaurado

Publicado em 22 de julho de 2025

Visitar o Memorial do Cuscuz, na cidade de Ingá, não é só uma oportunidade de provar os sabores típicos da culinária nordestina; tampouco um local para rememorar o passado diante das peças resgatadas e expostas tal qual num museu; nem a única chance de interpretar na fala de sua fundadora que a fé tem poder. É a evidência de que ao ser humano, crendo, tudo é possível e que a possibilidade não tem idade.

Há tempos que eu queria conhecer o Memorial do Cuscuz e, aproveitando o desejo de visitar a Pedra de Ingá do casal amigo Jurandy e Leonora, paraibanos radicados em São Paulo, sugeri uma paradinha no local. Paradinha essa que superou duas horas, todos lamentando não ficar mais tempo, sob pena de perder o horário de acesso ao parque arqueológico.

Se a gastronomia nos prende ao local, a conversa serena e sincera de Maria Auxiliadora Mendes da Silva, a Dona Lia, nos cativa. Cuscuz, xerém, tapioca, queijo, pamonha, canjica, café com ou sem leite e galinha de capoeira. Tudo à mesa. A comida é gostosa, mas a narrativa de Dona Lia sobre a sua vida nos roubou a atenção. “É melhor ouvir ela contar sua história pessoalmente do que pela televisão”, concordaram todos.

Foram tantos os infortúnios na vida de Dona Lia que, por pouco, uma tentativa suicida não lhe tira a vida. Mas reacendeu a fé. Decerto, o primeiro dos infortúnios foi o desencanto do primeiro amor, aos 19 anos. Aos 16, arranjara um namorado, namoro que com o tempo terminou; três anos depois, o impacto da notícia de que ele se casaria com outra a levou ao desespero. Fugiu com o primeiro que apareceu. Este, dominado pela bebida, foi responsável por todos os seus infortúnios a partir de então.

No auge da crise matrimonial, ela saiu de casa com os filhos e foi morar na maré. “Cavei um buraco, botei quatro paus de manga ao redor da cama, amarrei uma colcha e um pedaço de colchão”. Lembrou-se, então, da receita de cuscuz da avó e começou a fazer o alimento para um dos filhos vender nas obras em Recife, para onde fora quando casou-se.

Com o agravamento da doença da mãe, Dona Lia voltou para Ingá determinada a cuidar dela. Após sua morte, caiu numa depressão e encontrou num curso do Sebrae a motivação e a inspiração para criar o Memorial do Cuscuz, expondo as peças abandonadas pela família e resgatadas por ela após o retorno, a exemplo do moinho de pedra para triturar o milho.

Estabelecer-se comercialmente livrou Dona Lia da depressão, tornou-a conhecida nacionalmente com suas participações em programas de TV, sendo referência da comida que o nordestino mais gosta.

Tudo é possível àquele que acredita e essa possibilidade não tem idade, repito. Tem tempo. Mais de 40 anos depois, Dona Lia também resgatou o seu primeiro amor. Há três anos, após vários de amizade, convive com aquele com quem namorou na adolescência.