Valberto José

Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.

José Lopes de Almeida

Publicado em 20 de setembro de 2024

Deixar a mulher e os 11 filhos na Paraíba e ir trabalhar em São Paulo poderia ter sido mais uma decisão equivocada de José Lopes de Almeida, das tantas que tomara na vida. Resoluto, quando colocava uma ideia na cabeça, parente nenhum o demovia da realização; muito menos a mulher, que não tinha direito a opinar em nada. Foi, passou um ano por lá, veio em casa, como se fosse em despedida, e retornou.

Naqueles fins dos anos de 1970, o telefone era uso de poucos. Na rua em que José morava, contava-se a casa que tivesse o aparelho, que naquele tempo atestava as condições financeiras do dono; o domicílio amigo que disponibilizava um à companheira que ficara, estava uns 10 do seu. De modo que as cartas eram o único meio de comunicação

Desde que fora, nunca deixou de se corresponder com a mulher. Naquele mês, essa rotina de comunicação foi quebrada. A carta não chegou. Ela esperou mais uns dias e nada da missiva tranquilizadora. Preocupada, remeteu-lhe outra, logo correspondida. A letra diferente prenunciava algo estranho, o conteúdo era outro. E preocupante.

José Lopes de Almeida, o outrora Zé da lotação, Zé dos temperos, Zé dos cachetes, o conhecido Zé Patrício, operara o coração. Em terras estranhas, sem nenhum familiar por perto e sem avisar nada aos que deixara na Paraíba. Resistiu ao procedimento até o médico dizer-lhe que, naquela situação, tinha apenas três dias de vida e que, caso se submetesse à cirurgia, viveria mais uns 10 anos. Aos 45 anos, recebeu três pontes de safena.

Naquela segunda-feira à noite, um mês depois da carta esclarecedora, o filho mais velho, que costumava dormir no desconforto do trabalho, veio matar a saudade do leito familiar. A prole toda em casa, em meio às brincadeiras, um dos meninos devaneia: “Ah, se papai chegasse agora!” Meia hora depois, para um taxi em frente, a buzina avisando que chegara gente. O homem chegou sem avisar.

Abatido pelo cansaço da viagem, o andar cambaleante e as cicatrizes nas pernas causadas pela retirada das veias travaram a alegria dos filhos. No outro dia, o primogênito saiu pela madrugada para o trabalho e quando voltou à tardinha, o aspecto paterno era outro, bastante animador.

O cigarro foi a causa dos problemas cardíacos que o fez se operar. Começara a dar os primeiros tragos aos sete anos, incentivado por duas irmãs que fumavam escondidas do pai. “Zé, tira um ‘traguinho’ aqui”. Ao experimentar, ouvia a chantagem: se você disser a papai que fumei, digo que você fumou também. Viciou-se. E só parou após a cirurgia.

Além de abandonar o vício, o homem mudou radicalmente sua alimentação. Tornou-se vegetariano, e adotou um rigoroso programa de caminhadas. Também optou por obedecer com rigor às orientações médicas.

Lembra a previsão do médico paulista de que viveria mais uns 10 anos, se operado? Zé Patrício viveu 17 anos a mais, ou seja, 27 anos pós cirurgia. E morreu em acidente de trânsito na porta do hospital, indo buscar a requisição para adquirir os medicamentos que tomava. Outra ironia do destino: foi atropelado por um carro que cuidava de vidas, a Kombi de uma entidade assistencial às vítimas femininas de câncer.

A temporada de José Lopes de Almeida, o meu pai, em solo paulistano foi Providência Divina. Se vivo estivesse, ele comemoraria conosco, neste 21 de setembro, 90 anos de idade.