Valberto José
Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.
José Lopes de Almeida (2)
Publicado em 27 de setembro de 2024Tamanho foi o arrocho fiscal sofrido por meu pai há cerca de meio século em Santa Cruz, região de Sousa, que até acenou esconjurar os filhos em possível profissão futura. “Se um filho meu se tornar guarda fiscal e perseguir um pobre, eu o amaldiçoo”. Nunca mais José Lopes de Almeida voltou àquela cidade e não mais eu o vi comentar nada sobre o episódio.
O Evangelho do dia 21 último (Mateus 9, 9-13), data em que ele comemoraria conosco 90 anos de idade, se vivo estivesse, me fez recordar esse amargor de sua vida de vendedor ambulante pelo Sertão paraibano por quase 15 anos. Iniciou, após deixar de ser motorista de ônibus urbano, negociando miudezas e comprimidos; depois, passou a embalar temperos em saquinhos, acondicionados em cartolina recortada.
O negócio era rentável, apesar de pequeno, mas sustentar uma família de oito filhos – inicialmente quando montou residência(alugada) em solo sertanejo – e mais três nascidos em maternidade patoense, não era fácil. “Com um negocinho pequeninho desses, lucro o que lucro, imagino Zé Carlos do Café São Braz”, comparou, em conversa comigo na ansiedade de minha adolescência.
Embalar os produtos, a moagem do cominho, da pimenta do reino e da canela exigiam bastante mão de obra. Escalava então os filhos maiores na produção; eu, primogênito, além de produzir, me encarregava das compras e das vendas. Com 9, 10 anos, saía do Cruzeiro e vendia no Catolé, Bela Vista e Jeremias. Aos 12 anos, percorria cidades do Sertão a pé de bodega em bodega; os ônibus, ou os hoje chamados alternativos, encurtavam a distância entre elas.
Em caso de uma abordagem do fisco, papai orientava uma estratégia que até nos assombrava. “Se o guarda lhe pegar, diga que sua mãe é viúva, tem muitos irmãos e precisa ajudar em casa”. Apenas uma vez tive de seguir, constrangido, essa orientação. Foi quando faria a praça de Catolé do Rocha e região e o ônibus foi parado e vistoriado no Posto Fiscal da estrada, já nas proximidades da terra de Chico César. O agente me liberou sem cara feia.
Nunca me despertou curiosidade em perguntar a Zé Patrício porque usara, enquanto manteve o negócio, a marca Jaci em seus produtos. Entendi, no entanto, quando ele optou pelo endereço dos Temperos Jaci Rua Nossa Senhora das Dores, Juazeiro do Norte – CE, se em Patos, à época, sequer existia uma capela sob a proteção desta como padroeira. Pura estratégia comercial visando a conquista de clientes devotos de Padre Cícero.
A venda do terreno que herdara com a morte de minha vó Aurora o trouxe de volta a Campina Grande e o fez deixar o ramo de temperos. Investiu o dinheiro na compra da casa em que minha mãe e dois irmãos ainda moram e na aquisição de uma caminhonete. Passou, doravante, a levar e trazer produtos entre Paraíba e Ceará, vendendo aqui e lá.
Prosperando no comércio, meu pai inventou de comprar um caminhão velho, mantendo os dois, que costumava estacionar defronte de casa, um atrás do outro, o menor à frente. Naquele dia fatal, uma Rural, conduzida por um irresponsável, bateu na traseira do caminhão, que arrastou a caminhonete. Perda total, pois não compensava reformá-los. Foi quando ele começou a maturar a ideia, essa Providência Divina, de ir trabalhar em São Paulo.