Valberto José
Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.
João Mamão, o “matador” do Jardim 40
Publicado em 18 de janeiro de 2023Não lembro a exatidão do ano em que João Mamão apareceu na pracinha do Jardim 40, às primeiras horas de uma manhã, atraído pelo cheiro da misturada de Serafim, vendedor de chá, café e cachaça no logradouro, ou levado por algum colega viciado no álcool do aposentado do DNOCS. Isso aconteceu talvez uns cinco anos após a abertura do nosso comércio, em 1992.
Desde então, João mantinha uma rotina diária de embriaguez, tornando-se o ébrio mais conhecido do bairro e adjacências. Bebia todo dia e, se tivesse quem patrocinasse, o dia todo, embora com o tempo a fragilidade do corpo mal alimentado o fizesse embriagar-se rapidamente.
Também desde então nunca trabalhou, mas estava sempre disposto a prestar serviços aos moradores, se um pouco de sobriedade permitisse. Um meio de conseguir algum trocado e com ele adquirir um “burrinho” que lhe aliviasse a sede etílica.
O excesso de cachaça fez João perder a memória, deixando-o sem saber o que fazer e aonde ir e desconhecendo as pessoas. Uma manhã, Dálio “Meu Peixe” chegou ao nosso açougue, meio espantado, e perguntou se João Mamão deixara uma mercadoria conosco.
Diante da negativa, acentuou-se seu ar de preocupação. Dálio havia comprado boa quantidade de um produto e pediu ao bebum que o levasse em seu restaurante. João entregara a mercadoria em outro endereço, deixando o habilidoso comerciante no prejuízo.
Sempre aparecia companhias a disputar com João o arremesso de copo. Com o tempo, e pausadamente, os colegas de Mamão começaram a morrer. “João matou fulano, João matou sicrano, João já enterrou muita gente”. A fama de “matador” foi se espalhando pelo bairro, um matador cuja arma não tinha gatilho e o conteúdo letal vinha numa garrafa pet.
Além da fama “assassina”, João Mamão ficou conhecido pelos inúmeros acidentes que provocou na sua longa caminhada etílica. No vai-e-vem de um lado e outro da Avenida Almirante Barroso, atropelou muitos carros e deu muito trabalho às equipes do SAMU.
Apesar de viver na rua, dormindo nas calçadas, nas construções inacabadas ou casas abandonadas, João não era um pidão; esperava que lhe oferecessem. Nem bebida ele pedia. Mas quando a fome chegava a um ponto extremo, aí, sim, apelava à caridade alheia.
Baixinho, e mesmo com o estrago da bebida, não aparentava uma idade envelhecida, certamente em função dos cabelos descuidados insistirem na negritude natural. “João já é velho. Trabalhei com ele na Maquinor, já estou aposentado, e ele não quis nada na vida. Só beber”, disse um senhor, certa manhã, amenizando o frio com um pequeno de Serafim.
João era calmo, na dele, de uma tranquilidade admirável. Só uma situação lhe tirava do sério: falar de sua irmã. Descoberto o seu ponto fraco, gozadores de plantão viviam a perturbar lhe o juízo: cadê Zélia, minha namorada, minha isso, minha aquilo. Ele exasperava-se e soltava cada nome…
De muito querido pelos moradores do bairro, com o tempo Mamão foi perdendo a simpatia conquistada. Consequências da falta de higiene e da mania adquirida de fazer as necessidades, quando da embriaguez incontrolável, pelas calçadas, pé de poste e de árvores.
Muitos tentaram demovê-lo dessa vida ébria, levando-o às casas especializadas de reabilitação. Na Fazenda do Sol, esteve por mais de uma vez. A última chance foi no abrigo do Santuário da Divina Misericórdia, nos Cuités.
– Estive no Santuário, e João Mamão participou ajudando na celebração da missa. Tão lindo! -testemunhou uma cliente, à época. Na primeira oportunidade surgida, não resistiu à dose oferecida e voltou ao seu cotidiano etílico.
Há quatro anos fechei o comércio, deixei de viver o dia a dia do Jardim 40, mas sempre avistava João Mamão na pracinha ou próximo ao trailer de Gilsão ao passar pelo antigo Alto Seixo. Há meses que não o via mais nesses locais.
Semana passada, Carioca veio me acudir em serviço de encanação e confirmou que João seguiu o caminho dos companheiros de bebida, ao morrer na casa da irmã, no bairro de Rosa Cruz.