

Júnior Gurgel
Jornalista político, memorialista e Ghost writer. Ex- diretor de Jornais e Emissoras de Rádio na Paraíba, com atuações no Radiojornalismo.
HUGO MOTTA, SEU CABRAL E O CONVENTO PARA SUDENE
Publicado em 23 de março de 2025Severino Bezerra Cabral (Seu Cabral), uma das memoráveis lideranças políticas de Campina Grande, era empresário, banqueiro, popular, porém analfabeto funcional. Conhecedor de suas limitações, era cauteloso com as palavras – pela falta de leitura. Seu vocabulário era pobre em sinônimos e adjetivos. Raramente falava de improviso. Todos os seus discursos eram redigidos pelo saudoso Epitácio Soares.
Nos grandes comícios Seu Cabral os encerrava lendo um discurso. Impressionava todos, como um grande orador. Às vezes na leitura tropeçava nos acentos, chegava a soletrar algumas palavras não usuais, mas o povão – que como ele, não entendia o que estava sendo lido – encantava-se com o seu vocábulo.
O presidente da Câmara dos Deputados Hugo Motta, em sua estreia na grande mídia, impressionou a todos pela sua sinceridade, dentro de um contexto que agradou os conservadores, a direita e o bolsonarismo. A esquerda moderada até concordou. A radical silenciou diante das evidências e a verdade exposta com simplicidade.
Diversas vezes, foi indagado sobre a anistia e tentativa de golpe de Estado. “Não ocorreu esta tentativa de golpe de Estado, não tinha um líder, cadeia de comando nem apoio das Forças Armadas. Ocorreram atos de vandalismo. Os culpados serão punidos”.
No último 19/03/2025, o ex-presidente José Sarney foi homenageado na Câmara dos Deputados pelos 40 anos da Nova República, ou “redemocratização”. Na sua saudação, o presidente Hugo Motta leu um discurso que o entregaram. Desfigurou por completo sua postura exibida nas entrevistas. Esqueceu o 08 de janeiro, exilados; presos políticos; censuras a órgãos de comunicação; banimento das redes sociais de jornalistas; prisões de parlamentares ignorando a prerrogativa de foro; perseguição política; STF intrometendo-se no Congresso e paralisando o país com um ato monocrático do ministro Flávio Dino suspendendo pagamento das emendas parlamentares…
As redes sociais não perdoaram Motta. Até alguns “medalhões” da grande mídia, (tendenciosos) ficaram perplexos com o discurso. Por que Hugo não deu uma olhada no texto, antes de ler em plenário? Sabotaram-no e o expuseram ao ridículo. Lendo a malfadada alocução, Motta descrevia a “Ditadura” como se estivesse vivo e testemunhado o período. Sua mãe e seu pai talvez ainda não tivessem nascido.
Nas eleições de 1968 – última disputa de Seu Cabral – num comício no bairro de Bodocongó, ele estava lendo o discurso e alguém (sabotador) tirou as páginas da ordem. Ele percebeu, parou e perguntou: “onde diabos está Epitácio?” Asfóra, que era seu vice, às pressas tomou-lhe o calhamaço de papel e mandou ele continuar. Ficaria por trás, soprando as palavras no seu ouvido. Já para finalizar, Asfora cochichou: “aqui construiremos praças, um mercado público, todas as ruas deste amado bairro serão calçadas, faremos um convênio com a Sudene”. Aplausos, barulhos no palanque, Cabral não entendeu bem a última frase. Asfora repetiu. “Em convênio com a Sudene”. Hesitante por não ter ouvido corretamente, Cabral disparou: “e um convento para Sudene”.
Cabral se perdeu na audição. Hugo Motta na leitura. Deveria ter falado de improviso.
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