HISTÓRIA: sessenta anos do comício da Central do Brasil e a queda de João Goulart
Publicado em 13 de março de 2024O ex-presidente João Goulart não era grande orador. Tímido, arredio à mídia – apesar de culto usava pouco as palavras – socialmente era considerado um gentleman. Exatamente há sessenta anos (13/03/1964) as forças sindicais o convocaram para um grande comício, na Praça da República, em frente à Estação Central do Brasil, no Rio de Janeiro.
Jango (como era conhecido), além de estar presente fez um discurso desastroso usando o “improviso”, transmitido pela rádio para todo o Brasil. Emocionado, na presença de 300 mil pessoas, prometeu implantar imediatamente as temidas “Reformas de Base”, defendidas por Leonel Brizola, líder da Frente de Mobilização Nacional. Este foi o início do fim do seu mandato, que terminou dezoito dias depois, em 31/03/1964.
As esquerdas vinham avançando no Congresso Nacional e aprovando leis “progressistas”, anticapitalistas. Em 1962, limitaram em 10% a remessa de lucros das multinacionais, para suas sedes. O Estatuto do Trabalhador Rural deu o pontapé inicial na Reforma Agrária, trazendo inquietação no campo. Começaram a debater – em meio a um grande tumulto nacional – quais áreas poderiam ser desapropriadas, e a forma de indenização. A Constituição vigente determinava pagamento em dinheiro. O governo queria pagar em títulos do Tesouro Nacional, vencíveis em 20 ou 30 anos.
No discurso da Central do Brasil, Jango atropelou as recomendações do seu ministro da Fazenda, San Thiago Dantas, defensor da implantação lenta e gradual das reformas, para evitar caos na economia e uma convulsão social. No “improviso”, Jango prometeu atender integralmente às exigências da Frente de Mobilização Nacional. Iria desapropriar todas as terras às margens das estradas, ferrovias, rios e açudes, na distância de 10 km. Neste período, 40% da população brasileira morava na zona rural, em propriedades de grandes latifundiários.
A Reforma Bancária era outra bomba: estatização dos bancos. Como se não bastasse, seriam desapropriados tudo que se relacionasse ao petróleo, inclusive a Refinaria de Manguinhos (RJ) de propriedade do banqueiro paraibano Drault Ernany. Sua residência no Rio, a Casa de Pedra, foi o ponto de encontro permanente de toda a classe econômica para achar um meio de depor o governo. Só restava o impeachment. Mas, temiam reação das Forças Armadas, divididas desde 1961, após a renúncia de Jânio Quadros. Muitos generais ameaçaram intervir se o vice João Goulart assumisse. Outros, legalistas, apoiavam sua posse. No impasse, surgiu o Parlamentarismo que durou um ano.
Toda a mídia na época, após o discurso, ficou contra Jango. A primeira reação, quatro dias depois (19/03/1964), foi uma gigante mobilização da Igreja Católica com a passeata em São Paulo da TFP – Tradição Família e Pátria, levando 500 mil pessoas às ruas. Daí por diante, como havia missa diariamente, as homilias dos padres eram pedindo socorro às Forças Armadas, para impedir a chegada do comunismo no Brasil.
A revolta dos marinheiros, liderada por Cabo Anselmo, que ocupou os quartéis entre 25 e 27/03/1964, culminou na união de alguns líderes militares, temendo os efeitos de uma rebelião na caserna das três forças. O marechal Castelo Branco era Chefe do Estado Maior das Forças Armadas. Foi contatado pela elite econômica, política, embaixada norte-americana, através do seu amigo Vernon Walters, adido Militar no Brasil, com quem esteve na Itália (II Guerra) e West Point. Castelo começou a construir a união entre os militares.
Mas, os comandantes do RJ, RS, SP, PA e SC não concordaram com a intervenção. Ficariam ao lado do Presidente. No dia 30/03/1964 o país já estava ingovernável. Jango desembarcou em Porto Alegre. Brizola estava montando a resistência. Sangue seria derramado. O pacifista Jango não concordou. Despediu-se de Brizola e sem pronunciamento cruzou a fronteira, indo para sua fazenda no Uruguai.
A notícia chegou ao QG de Castelo Branco. Tinha que negociar com os demais comandantes. O Congresso, perdido, não sabia o que fazer. General Mourão Filho, sem ordem superior, resolveu atender ao apelo do governador Carlos Lacerda, que estava no Palácio da Guanabara cercado pelas tropas do Exército do RJ. Mourão estava em Juiz de Fora. Partiu com seus tanques para o Rio, na noite de 31/03/1964. Em edição extraordinária, o “Repórter Esso” noticiou pelo rádio a fuga de Jango, Mourão chegando ao Palácio da Guanabara e se abraçando com seu colega general, pondo um fim numa revolução que nunca aconteceu. No dia seguinte, 01/04/1964, o Brasil todo tomou conhecimento. Mas, como era “dia da mentira”, só acreditaram quando o presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli, se pronunciou à noite, através da “Voz do Brasil”, assumindo a Presidência da República, por vacância do cargo, e marcando eleições indiretas para 10/04/1964, temendo uma volta de Jango. Castelo Branco foi eleito pelo Congresso, para concluir o mandato de Jango, que terminaria em 31/01/1966.
Por que Kubistchek, Carlos Lacerda, Tancredo Neves não quiseram ser Presidente? Ano seguinte (1965) ocorreriam as eleições presidenciais. Era um mandato tampão, e não tinha reeleição. Conjecturando sobre o “se”, resta indagar: “se” o Presidente fosse um civil, as eleições presidenciais teriam sido realizadas? Claro que sim. Se Jango não tivesse ido ao comício, teria caído? Não. Se ao invés de deixar o país, tivesse renunciado, Castelo seria presidente? Também não. Os militares nunca chegariam ao Palácio do Planalto, se não fosse o discurso de improviso que mudou nossa história.
Fonte: Da Redação (por Junior Gurgel)