Valberto José

Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.

“Guiné” no banheiro

Publicado em 23 de agosto de 2024

A resistência do guiné à captura humana contrasta com o som “tô fraco, tô fraco, tô fraco”, emitido no seu cantar sob a ameaça de gente ou de predadores naturais do ambiente em que vive. Agarrar com as mãos uma dessas variedades da galinha d’angola é tarefa quase impossível, o que motiva a fabricação de armadilhas ou o uso de armas de fogo quando se visa o abate.

Antigamente, era fácil encontrar criação dessa ave de origem africana em qualquer região paraibana; nos tempos atuais, é uma raridade que beira à extinção. Na minha infância feliz, lembro que ouvi muito o “tô fraco, tô fraco, tô fraco” durante períodos de férias escolares no sítio dos meus avós maternos.

Embora tivessem amplo terreno em área urbana, não me vem à mente lembranças dos avós paternos diversificando sua criação com guinés. Recordo apenas quando “Tibiu”, como chamávamos a irmã de papai, após vender as terras herdadas, adquiriu propriedade no município de Livramento e ensaiou a introdução da ave, que não prosperou muito.

O Sítio Pinhões passou a ser, então, o destino dos parentes que permaneceram em Campina Grande, nas férias laborais e de escola ou em aventuras de fins de semanas, continuando mesmo após a morte da tia querida e do marido “Tichico”. Num desses passeios, Luiza, amiga familiar, completava a lotação do carro, juntando-se como convidada às três das seis de minhas irmãs e à minha mãe, que, de improviso, resolveram rever os parentes.

No sítio, à época, ainda se preservava um banheiro de tijolo batido a certa distância da casa, onde findava o quintal, e iniciava o roçado e o pequeno plantio de palmas. Próximo, bem próximo mesmo, ficava o cercado com poleiro que abrigava as galinhas e os guinés em sono intenso na escuridão da noite ou em noites mal dormidas na claridade da lua.

Naquele dia, os anfitriões resolveram surpreender a convidada da comitiva com o sabor da angolana, vez que nunca comera esta espécie. Para capturar a inquieta ave chamaram vizinho especializado na empreitada. Após tirado o leite no curral e tomado o café matinal, escondendo no matulão o objeto do “crime”, chegou o rapaz disposto a executar o serviço.

Desde os primeiros raios de sol, o bando de aves já dispersara, permanecendo no garajau improvisado do galinheiro algumas galinhas que teriam o mesmo destino da vítima, assim que a ocasião exigisse. De pistola em punho, teve início a Operação Caça-guiné, quebrando o silêncio rotineiro naquele ambiente rural.

Em meio a algazarra dos bichos, Luiza sentiu necessidades de evacuação intestinal. Aproveitou a distração dos curiosos da caçada justo quando um dos guinés voou por cima da casa e, discretamente, entrou no banheiro solitário. No quartinho de alívio, ela resolveu amplificar o barulho, imitando o canto das aves em desespero.

Tô fraco, tô fraco, tô fraco”, repetia ela, insistentemente. “Tem um no banheiro”, vozeou nosso saudoso primo, no que o algoz girou nessa direção. “Sou eu, Berg. Sou eu”, gritou a moça, em aflição repentina, temerosa de que uma bala varasse a porta e lhe acertasse o corpo aliviado.