Marcos Marinho
Jornalista, radialista, fundador do ‘Jornal da Paraíba’, ‘Gazeta do Sertão’ e ‘A Palavra’, exerceu a profissão em São Paulo e Brasília; Na Câmara Federal Chefiou o Gabinete de Raymundo Asfóra e em Campina Grande já exerceu o mandato de Vereador.
Fuçei HUMBERTO ALMEIDA;10 anos sem ele!
Publicado em 8 de novembro de 2023
Fuçando na casa da praia arquivos d’APALAVRA em busca de material que desejo repassar para Raymundo Asfóra Neto, sobre o avô que ele não chegou a conhecer, encontrei dezenas de pérolas que, em pretéritos dias distintos, publiquei nos espaços onde atuava – n’APALAVRA, no Correio da Paraíba, n’A UNIÃO, na Folha Metropolitana de São Paulo, no Metrô News (também de São Paulo), no Diário Legislativo IOB (de São Paulo), no JOSE de Brasília (Jornal da Semana Inteira)…
A maioria permanece atual, sem carecer de nenhum tipo de retoque ou reparo, de modo que decidi republicar algumas dessas jóias compartilhando a alegria com minha meia dúzia de permanentes leitores.
Começo – e não por acaso – pela homenagem que prestei ao grande e saudoso amigo médico Humberto César de Almeida, o homem da CANDE que me entronizou precocemente no andar de cima do jornalismo paraibano.
Aliás, já se passam 10 anos sem a presença extremamente vigorosa de Humberto Almeida em nosso meio e sem que ninguém, lamentavelmente a não ser Ida e Vanderley de Brito, lembrem do seu legado.
Segue a coluna originalmente publicada n’APALAVRA no dia em que o filho de Elpidio de Almeida atendeu ao chamado do Pai:
DOUTOR HUMBERTO!
Mal completados meus 19 anos de idade, recebi uma missão para a qual eu imaginava não estar ainda preparado – a de dirigir um jornal impresso.
Jovem na profissão e reticente na vida, o desafio foi realmente um peso gigante. De repente aquele repórter franzino, ainda um ‘foca’ no mister, passando a comandar um time de ases do jornalismo da Borborema, algo realmente impensável.
Mas foi essa mesma a realidade posta à minha frente: chefiar no ‘Jornal da Paraíba’ feras como William Tejo, Ismael Marinho, Aluisio, Eudes Villar, Marcelo Marcos, Magidiel Lopes, Clóvis de Mello, Sevy Nunes, Ana Luíza Rodrigues, Humberto de Campos, Levi Soares… Além do timaço das oficinas (Boni, Chico dos carimbos, Edeval, ‘Boi cego’…), turminha boa, porém complicada. E toda a meninada que integrava a bancada dos gazeteiros (Pelé, que virou garçom; Ary, que também virou garçon e hoje fabrica molho de pimenta…), outra feliz dor de cabeça.
Felizmente, a parte da administração (contabilidade, pessoal, assinantes…) foi deixada com Nilda Chaves do Amaral & Cia, sob a supervisão de Justino, o bam-bam-bam da CANDE que tinha carta branca do Chefe.
Óbvio que esse foi um salto imenso de qualidade na minha formação. Ao lado de Nilo Tavares, Tejinho (William Tejo), José Levino, Ismael Marinho, Josusmá Viana e outros dois ou três czares da mídia, integrei a equipe de redação de fundadores do ‘Jornal da Paraíba’, minha segunda escola profissional. Tinha vindo do Diário da Borborema, aluno lá de Epitácio Soares e Fernando Wallack, mas no JP me contentava em absorver no dia-a-dia a experiência de tantos mestres daquela efervescente e rica redação.
Imaginar estar Chefe, em idade tão tenra, não fazia sentido. Por isso, primeiro a surpresa e depois o estarrecimento, pondo-me tímido diante do peso da imensa responsabilidade. Relutei na hora de aceitar o convite, pedi tempo, mas ele, o dono do jornal, já havia traçado a reta desse destino.
Naquele tempo chefiar um jornal era CHEFIAR mesmo. Não tinha essa de editor disso ou daquilo, diretor de marketing, de eventos, de especiais, de publicidade…
Tinha o dono e o secretário do jornal, que era o CHEFE, mandando até mesmo nas oficinas com suas linotipos fervendo a borra do chumbo derretido.
Meu mano mais velho, uma das minhas referências de vida e de labor, era o secretário e havia viajado a Brasília atendendo chamamento do então deputado federal, seu amigo Petronio Figueiredo, com quem mais tarde viria a trabalhar na Capital da República. E foi exatamente nesse interregno que se deu a primeira briga entre os sócios do JP, retirando-se do comando o indefectível Josusmá Viana, este sim o grande responsável pela vida e existência do jornal.
Eu ficara substituindo Ismael – o mano – na redação, mas sem as atribuições de chefia. Como somente eu e ele naquela época sabíamos diagramar as páginas, virei secretário ad-hoc, sendo assim o elo entre a empresa e o seu novo dirigente, Humberto César de Almeida, o dono da poderosa CANDE, orgulho paraibano no Distrito Industrial do Ligeiro.
Doutor Humberto nas suas primeiras semanas no comando da empresa pontualmente chegava por volta das 10 horas da manhã e nos reuníamos (eu, ele e Justino) para as tomadas de decisão. Muito formal, com poucas palavras e bastante determinação ditava as ordens e ia embora. Essa rotina veio a ser quebrada no mês seguinte, quando as reuniões, agora semanais, fazíamos lá na CANDE e não mais na redação do JP.
Ao retornar, Ismael encontrou a mudança. Em vez de Josusmá, Humberto Almeida. E em seu lugar na redação, eu o seu mano mais novo. Foi um choque para ele, mesmo porque 45 anos atrás não havia internet e o telefone era caro e difícil, mesmo para se falar com Brasília.
Doutor Humberto me garantira que Ismael quando voltasse iria assumir uma posição mais de vanguarda no jornal e seria peça-chave do projeto que ele idealizara para gerir a empresa. Portanto, não teria perdas, mas vantagens. E esse foi o mais forte argumento para que eu enfim aceitasse o encargo da secretaria.
Ou por ter deixado entabulado um bom emprego na Câmara Federal, ou por sentir-se traído pela empresa e sua nova direção, o certo é que Ismael só se manteve sob as minhas ordens no JP por uns vinte ou trinta dias. Vendo a insatisfação, Doutor Humberto chamou-nos numa manhã lá na CANDE e foi direto ao assunto: “êh bem: Marinho, eu gosto do trabalho de Marcos, mas ele está se inibindo com a sua presença e Petrônio (Petrônio Figueiredo) me disse que lhe quer no seu gabinete em Brasília. Justino já preparou suas contas e eu aproveito para agradecer sua colaboração com a empresa”.
Foi assim o princípio da minha forte amizade com Doutor Humberto. Amizade que se manteve até agora, quando ele sobe para a casa do Senhor. Amizade respeitosa e fraterna, diga-se. E mantida sob todas as formalidades possíveis e imagináveis, formal que era a vida desse grande campinense.
Só saí do JP quando nova briga lá instalou-se, destronando-o do comando. Entrou Luiz Motta Filho, ex-interventor federal do Município que logo recrutou para mexericar na redação dois valorosos companheiros da mídia que infelizmente nada entendiam dos melindres do jornal impresso e que quase o levaram à bancarrota. Não declino seus nomes porque ambos já são saudade, mas o fato é que o ‘Jornal da Paraíba’ só veio a respirar e tornar-se forte e poderoso com a outra briga que tirou Luizito Motta do comando e deu a José Carlos da Silva Júnior o poder absoluto que ainda hoje detém na empresa.
Fui-me para São Paulo. Voltei para a Paraíba e morei em João Pessoa. E depois fui para Brasília. O contato com Doutor Humberto perdeu-se, por óbvia constatação.
Nesse tempo somente o abracei uma vez, lá mesmo na CANDE quando Assis Costa em dia memorável entregou-lhe a Medalha de Honra ao Mérito Municipal que aprovou no Legislativo quando desempenhou o mandato de Vereador.
Mas, para felicidade minha, a partir de uma nota registrando em coluna que assinava no ‘Correio da Paraíba’ o declínio da ex-poderosa CANDE, recebi lodo cedinho da manhã dois telefonemas – um de Roberto Cavalcanti, dono do Correio, e outro do próprio Doutor Humberto.
Roberto me dizia da sua grande consideração com Humberto e das relações comuns no sindicato da indústria de plástico, cujo presidente à época era exatamente o homem da CANDE. Disse-me que Doutor Humberto ficara aborrecido com a nota, chateado mesmo e queria falar pessoalmente comigo.
Já ele, Doutor Humberto, no instante seguinte logo agendou com hora e minuto o momento do nosso reencontro, que se deu naquele mesmo dia lá na sua ampla sala na CANDE sem quase ninguém. Foram mais de três horas de conversa, só interrompida quando o eficiente Ronaldo, seu secretário na empresa, o abordava sobre algum telefonema inadiável.
Sucederam-se novos e memoráveis encontros, lá na sua imensa sala semi vazia. Num desses, ele resolveu detalhar-me as causas do fechamento da CANDE, que sonhava em reabrir. E pela primeira vez vi lágrimas escorrerem sob as lentes dos seus óculos.
Ele, industrial habilidoso e experiente, passado para trás por executivos da concorrente Tigre na hora em que quase a CANDE a eles seria vendida.
Doutor Humberto declarou-se um ingênuo, tapeado no coração de São Paulo pela força maquiavélica do capitalismo selvagem. Essa foi a sua maior dor na vida, pude captar quando acostou sua mão espalmada no meu ombro. Quase chorei com ele, transferindo para mim a mesma decepção que ele sentiu na paulicéia desvairada.
Daí em diante nossos encontros foram mais rotineiros. Fiz alguns trabalhos de redação para o Sindiplast, devidamente remunerado. E cada vez o tempo se tornava mais demorado nos nossos encontros. Puxava assunto político, revelava suas queixas, inclusive uma forte que continuava a ter com Cássio, que governava o Estado e não lhe resolvia uma pendência na CINEP com um galpão industrial no DI de Campina.
E tornei-me, assim enviesado, um confidente de Doutor Humberto.
Aliás, dias depois quando voltei à CANDE a seu chamado para redigir uma carta acho que para o BNDES, seu primeiro assunto foi informar-me que Cássio resolvera o entrave do galpão. Cedeu às pressões da esposa Sílvia, sua sobrinha, e ele estava grato, sem mais razões para criticar o governador.
Faço aqui esses registros históricos porque é necessário que se enfatize, para as novas gerações, a importância de Humberto César de Almeida na vida e na construção dessa Campina Grande que ele tanto amou e a ela se dedicou com invulgar disposição, tanto como médico quanto como empresário e agropecuarista.
Tive a oportunidade de gozar da intimidade de Humberto Almeida e isso me eleva. Sua querida e amada Ida Steinmuller, minha amiga desde os tempos em que na CANDE apenas o secretariava, foi realmente a sua cara-metade. A ela mando-lhe um abraço de carinho, que peço estender aos filhos. Não pude vê-lo na hora derradeira nem tampouco acompanhar sua viagem final, por encontrar-me fora da cidade.
Só sei que Campina Grande agora está infinitamente bem menor!