Valberto José

Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.

Escorregando na calçada

Publicado em 16 de janeiro de 2024

Não é por conta da idade que avança no tempo, nem consequência da visão que está precisando de um exame e que tão bem se habituou às lentes de grau. A realidade é que nos últimos anos venho escorregando na calçada de nossa casa. Tudo começou quando resolvemos, eu e Margarida, mudar o piso de cimento grosso; desde então, vez por outra, tomo uma escorregadela.

A opção por blocos intertravados, em vez de um piso cerâmico antiderrapante, vem causando esses escorregões, que ferem a alma e não o corpo. Ao contratar um pedreiro inexperiente nessa especialidade veio a primeira derrapagem. O serviço ficou malfeito, os blocos fora do nível e com o tempo afundamentos localizados foram surgindo.

O pior foi quando espécies de ervas gramíneas começaram a surgir na intercalação dos blocos e o sossego em casa acabou com o crescimento demasiado delas. Quase toda semana tocam na campainha ou batem no portão, oferecendo serviço de corte ou raspagem.

Na tarde do último sábado, fazia minha fisioterapia caseira (varrer a casa ou o quintal, este naquela ocasião), quando Margarida me chama e diz que a campainha tocara e que era gente se dispondo à limpeza da calçada. Inicialmente, resisti, mas diante da insistência dela, aceitei conversar com o serviçal, que pediu R$ 30,00 pelo serviço. Fechamos em R$ 20,00.

Mal iniciou o trabalho, o homem pediu metade de adiantamento, alegando que a espátula quebrara e que teria de comprar outra. “E tem loja aberta a esta hora de sábado?”, indaguei-o. “Tem uma ali que está aberta”, disse. Adiantei a verba, duvidando do retorno, mesmo diante da bolsa sórdida que deixara. Não retornou mais naquele final de tarde.

Passava do meio-dia de domingo, nós já prontos para o almoço fora, quando a campainha toca forte. Era o homem, dizendo que veio terminar o serviço. Continuou o trabalho e quando lhe confirmei que sairia, mas voltaria logo, aloprou, pedindo o restante do acertado. “É o tempo que você termina e eu chego”, aleguei.

Não houve acordo, apesar da garantia de que lhe pagaria dobrado e o aceno de Margarida de uma quentinha. Sob o protesto da mulher, paguei o restante, certo de que, ao voltar, ele teria ido embora sem concluir o serviço. Ao voltarmos, constatamos o sumiço do homem.

Passando das quatro da tarde de segunda-feira, eu já finalizando esse texto, novamente o toque forte da campainha. Olhei pelo olho mágico, não vi ninguém. Dei um tempo e perguntei quem era. “Vim terminar o serviço”, disse, já trabalhando, conforme ia se levantando.

Pediu água, e já que não tinha garrafa pet, como no sábado, enchi uma dessas que se usa nas academias e lhe dei. “Essa é para você ficar usando no seu trabalho, quando secar é só pedir para encher”. Coincidentemente eu tinha que sair – iria deixar Margarida na casa da filha. – Então me pague logo. – Só quando eu voltar.

Na calçada, passando duas casas da nossa, estava o vizinho, que mora no lado oposto. – Você conhece aquele homem? – É meu capataz, brinquei. – Então deixe o dinheiro com ele. – São quatro e meia, cinco horas estarei aqui, falei com firmeza. Cheguei cinco minutos antes, sem avistar o homem, e o serviço por terminar.

Atravessei a rua em direção ao vizinho, já no portão de casa. “Ele foi embora…”, nem concluiu a frase e o avistou perto da esquina da rua, na calçada como que estava pedindo água numa residência. “Vou terminar o serviço”, disse, vindo ao meu encontro. “Precisa mais não. Pode ir embora”, falei.

Entrei em casa, fiz alguns serviços e retornei à calçada para colocar o lixo fora, sem ver qualquer sinal do homem. Retornei para rezar o terço e fui assistir aos jornais das TVs. Quando eu acabei de ver o primeiro bloco do JPB2, novo toque, agora com sonoridade mais elevada, da campainha.

Cismado de perder parte do jornal, fui atender. Sem identificar pela mágica do olho, perguntei quem era. “Terminei o serviço”, surpreendeu-me. Com certo cuidado, abri o portão, inspecionei o serviço, pedi um momento e entrei. Voltei com o dinheiro na mão e lhe entreguei. Na próxima vez que o gramado estiver alto, espero não escorregar em nova casca de banana.