EXCLUSIVO – “Engorda artificial” no Cabo Branco: a ignorância de Nilvan e a visão futurística de Cícero Lucena
Publicado em 24 de maio de 2023O sofrível radialista Nilvan Ferreira, que há pouco mais de dois anos entrou no mundo da política partidária na disputa pela Prefeitura Municipal de João Pessoa, quando foi derrotado pelo ex-Senador Cícero Lucena, e não mais se considerando neófito na profissão concorreu ao Governo do Estado, também sem sucesso, está empurrando contra a parede a cúpula do seu partido, o Republicanos, para que lhe dê legenda para outra vez disputar a prefeitura da Capital, onde agora considera ter estrondosas chances de derrotar Cícero, ao seu ver um desastre enquanto gestor público.
A estratégia de Nilvan é suicida, ao emparedar uma raposa velha e felpuda nas lides políticas como Wellington Roberto, presidente da legenda na Paraíba, a quem impiedosamente maltrata pelo microfone onde lhe deram emprego e em outros onde eventuais amigos de ocasião, a serviço de políticos sem escrúpulos que querem atraí-lo para projetos individuais, lhe dão espaço para do mesmo modo atacar o deputado do açúcar.
E Nilvan vai entrando na onda, crente de que está surfando a caminho de exterminar o experiente Cícero Lucena da vida pública…
E há uma diferença abissal entre os dois, tanto na política quanto na vida privada.
Cícero é expert em administração pública, já foi testado como prefeito de João Pessoa no passado, como vice-governador da Paraíba, como Ministro de Estado e como Senador da República. Empurrado para o ostracismo por Cássio Cunha Lima, que lhe cravou um punhal profundo nas costas o impedindo de disputar a reeleição para o Senado e obrigando-o a um enclausuramento por quase uma década, o “caboclinho” ressurgiu sozinho e altaneiro em 2000 e derrotou não apenas Nilvan, mas também Ruy Carneiro (apoiado por Cássio), Edilma Freire, Walber Virgolino e o “bicho papão” da época, o ex-governador Ricardo Coutinho.
Cícero é viajado, talentoso e discreto; tem discurso elegante e afável; trata as pessoas indistintamente sem separar credo, raça ou hierarquias; circula muito bem nos gabinetes da República em Brasília; e na condição de construtor sabe melhor do que muitos como cuidar dos problemas de uma cidade que caminha para chegar ao seu primeiro milhão de habitantes tendo dezenas de gigantes desafios a serem enfrentados.
Nilvan pode até não ser mais um neófito na política, na expressão direta do termo uma vez que já concorreu a dois cargos eletivos, mas no cotidiano a sua história não é muito levada a empolgar terceiros. Rasteiro na educação e no modo de falar, na radiofonia pessoense é avaliado como um “mediano apresentador” onde se excede no linguajar chulo, até em determinados momentos chegando a “assassinar” a língua-Pátria, e na vida privada seu ambiente comercial, com lojinhas de roupas de grifes famosas, já foi alvo de ações policiais por falsificação de produtos que colocava à venda como sendo originais.
Portanto, entre Cícero e ele, há um mundo de diferenças. Mas aqui não vamos relacioná-las para não enfadar o texto, mas apenas situar um único ponto em que – ao ver do redator e acredita-se que também na visão de muita cabeça-pensante deste Brasil – Nilvan incorre numa burrice descomunal.
Referimo-nos à esdrúxula crítica, desprovida de mínima argumentação técnica ou pontual, que ele tem direcionado a Cícero Lucena quando atreve-se a comentar o ousado projeto da engorda da praia do Cabo Branco, onde o mar há anos avança célere para destruir prédios e a barreira do ponto mais oriental das Américas.
Rapidamente Nilvan foi entrevistado ontem na rádio de Veneziano, acredita-se que por ele convidado a mirar artilharia pesada em Cícero em relação ao projeto da engorda da praia, mas o tiro efetivamente saiu pela culatra porque Nilvan mostrou um desconhecimento absurdo da matéria, algo incondizente com o papel de quem se propõe a governar João Pessoa.
Por isso, APALAVRA vai ajudá-lo neste espaço a conhecer amiúde o assunto e evitar futuros vexames como aquele dado por encomenda de Vené na rádio que arrendou ao Sistema Correio.
Nilvan não sabe – acredito que o senador idem -, mas é importante avisá-los que para conter perdas no turismo e o avanço do mar, que tem “engolido” praias brasileiras, algumas cidades vêm investindo em projetos de alargamento da faixa de areia, como está para vir a acontecer em João Pessoa.
Mas, o que são essas obras, quais impactos ambientais provocam e por que elas podem perder efetividade em um cenário de mudanças climáticas?
Menos de um mês após a conclusão da obra na Praia Central, em Balneário Camboriú, SC, onde este redator (Marcos Marinho) lá esteve anos atrás a caminho do Parque Beto Carreiro na praia da Penha, a população já comemorava os resultados: a largura da faixa de areia, sombreada pelos altos edifícios à beira-mar, foi ampliada de 25 para 70 metros e o mercado rapidamente sentiu a valorização dos imóveis e empreendimentos na região. A maior obra de aterramento de praia da América Latina, debatida desde os anos 1990, custou 90,3 milhões de reais, despertou a atenção nacional e suscitou a pergunta: com praias brasileiras desaparecendo aos poucos da paisagem, a tendência é vermos mais intervenções desse tipo em outras cidades litorâneas?
E foi Cícero quem também viu isso e ousadamente pensou logo no Cabo Branco.
“Primeiro, precisamos entender que a erosão costeira é um processo natural encontrado em quase todo o litoral do planeta, cujo fluxo próprio de sedimentos deixa as praias mais estreitas no inverno e mais largas no verão”, explica o oceanógrafo Eduardo Siegle, doutor em ciências marinhas pela Universidade de Plymouth (Reino Unido) e professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, onde coordena o Laboratório de Dinâmica Costeira.
O problema, ele diz, é que temos, de um lado, a pressão cada vez maior da ocupação humana nas linhas mais próximas à praia (inclusive sobre o estoque de areia e a vegetação de restinga) e, do outro, processos naturais, como o aumento de tempestades e do nível do mar, que geram um déficit sedimentar. “Isoladamente, muitos desses fatores não causariam o estreitamento da faixa de areia, apenas o seu deslocamento para o interior. No entanto, com a ocupação continental, há um confinamento da costa que não deixa espaço para esse recuo acontecer sem afetar a infraestrutura urbana”, argumenta.
A orla de Copacabana, no Rio de Janeiro, por volta dos anos 1920, antes de sofrer intervenções – ela é uma das várias praias brasileiras que passaram por processo de engorda artificial (aterramento) para aumentar a linha de areia e, assim, distanciar as águas da infraestrutura urbana (Foto: Augusto Malta/IMS/Divulgação)
Em outras palavras, estamos há décadas substituindo por asfalto, concreto e prédios todo o ecossistema inteligente que atua como zona de abrandamento da energia das águas. Nesse panorama tão transformado pela ação humana, a engorda artificial da praia remedeia o quadro, repondo material sedimentar e alargando a faixa de areia mar adentro como proteção costeira.
No Brasil, a estratégia não é novidade: no início dos anos 1970 a icônica Copacabana, no Rio de Janeiro, passou por um aterramento durante as obras de duplicação da Avenida Atlântica, que estendeu a largura da areia de 55 para 90 metros.
A praia de Copacabana, no Rio de Janeiro
Projetos de engenharia desse porte reúnem números impressionantes. Em Balneário Camboriú, por exemplo, homens e máquinas espalharam 2,2 milhões de m³ de areia ao longo dos 5,8 km de extensão da Praia Central. Uma draga extraiu todo esse material de uma jazida no fundo do oceano, a 15 km dali, e depois o transportou até perto da praia (em inúmeras viagens) para, então, bombeá-lo por tubos conectados ao local do aterro. “É muito importante que a areia utilizada tenha qualidades similares às da praia original, de forma a reduzir impactos ao habitat e garantir bons resultados. Além disso, deve estar o mais próximo possível para que o projeto seja economicamente viável”, pondera Siegle.
Antes e depois: em Santa Catarina, a cidade de Balneário Camboriú teve sua Praia Central totalmente reformada em 2021, alargando a faixa de areia de 25 para 70 metros. (Foto: Daniele Schmitt/Getty Images e Graiki/Getty Images)
Diversas cidades na Europa e nos Estados Unidos já experimentaram soluções do gênero. Um exemplo imponente é o Sand Motor, uma mega-alimentação de praia concluída em 2011 na região holandesa de Delfland, onde vastas áreas situadas abaixo do nível do mar são severamente suscetíveis a inundações. Lá, 21,5 milhões de m³ de areia extraída a 10 km da costa formaram uma península de 128 hectares ao longo de 2 km de litoral – um amortecedor contra a subida das águas que custou 70 milhões de euros.
ECOSISTEMAS AFETADOS – Nilvan precisa saber que estudos e relatórios de impactos ambientais são fundamentais nesses casos. “Em áreas de recifes de corais, por exemplo, essas obras não deveriam ser realizadas”, sustenta a engenheira de pesca e doutora em ecologia marinha Ana Paula Prates, diretora de Políticas Públicas do Instituto Talanoa e analista ambiental do Ministério do Meio Ambiente (atualmente afastada).
O biólogo e professor do Instituto do Mar, da Universidade Federal de São Paulo, Ronaldo Christofoletti, explica que os prejuízos ao meio ambiente acontecem onde há a retirada de areia e também na praia que a recebe. “No primeiro, ocorrem impactos típicos de dragagens: a água fica turva por um tempo e os organismos que vivem ali são muito afetados, assim como os que estão no local da engorda da praia, que acabam soterrados pelo novo material”, destaca o professor, que também é membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), iniciativa da Fundação Grupo Boticário.
Segundo ele, um projeto bem elaborado e executado, como o que Cícero idealiza para o Cabo Branco, tende a diluir as mazelas ambientais com o passar do tempo, por ser uma solução baseada na natureza e mais suave, digamos assim, do que muros de pedra e espigões construídos para contenção costeira, como fo mfeito recentemente em Natal, por exemplo, na Praia de Ponta Negra.
O projeto de Cícero prevê uma via contornando, por baixo, a falésia do Cabo Branco até a Praia do Seixas
Mas há de ser feito um alerta, segundo o especialista: “Não devemos reocupar as novas faixas de areia com estruturas urbanas, sejam elas ciclovias, quiosques ou outras. Ao contrário, é fundamental realizar ações ligadas à restauração da vegetação de restinga e à reconstrução de um ambiente mais natural”, informa os estudiosos.
Ele cita o exemplo das praias de Ipanema e Leblon, no Rio de Janeiro, onde desde 2009 o Projeto de Recuperação da Costa Brasileira, do Instituto-E em parceria com a Osklen, criou mais de 1 hectare de canteiros (com 40 mil mudas nativas desse ecossistema) e transformou 6 mil m² de areia em restingas. “Essa vegetação ajuda a fixar as dunas, protege o litoral de erosões, ameniza a temperatura ambiente e age como barreira contra ressacas e ventanias”, defende Oskar Metsavaht, presidente do instituto e fundador e diretor criativo da Osklen.
CUSTOS NA LINHA DO TEMPO – Entender o papel socioambiental das restingas e protegê-las parece custar bem menos do que soluções paliativas. Itapoá, SC, discute um projeto de engorda artificial para recuperar 18 km de praias em processo crítico de erosão. “A obra completa está orçada em 480 milhões de reais, sendo que o município arrecada 100 milhões de reais ao ano”, comenta o oceanógrafo Ricardo Ribeiro Haponiuk, ex-secretário de meio ambiente da cidade, doutorando em ciência e tecnologia ambiental e responsável pela Coordenação do Sistema Costeiro-Marinho da Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente (Anamma).
Recentemente, ele elaborou um estudo para a rede Observatório do Clima que revelou: dos 443 municípios costeiros do Brasil, 21% não têm Plano Diretor e 68% têm menos de 50 mil habitantes. “São cidades pequenas, sem estrutura técnica e financeira para arcar sozinhas com questões como essas, diferentemente do que aconteceu em Balneário Camboriú e na paranaense Matinhos, que tiveram ajuda do setor privado e do Estado, respectivamente”, reforça. Além do investimento inicial, há ainda os gastos de manutenção. “De tempos em tempos, é preciso repor parte da areia que o mar vai levando naturalmente. Em Matinhos, tempestades estragaram parte importante do que já tinha sido feito. Em alguns casos, essa reforma é do tamanho da obra original”, ressalta.
O engenheiro civil Marco Lyra, especialista em obras de defesa costeira, lembra que esses projetos requerem modelagens físicas e matemáticas feitas em poucos laboratórios do mundo. “Nem sempre as cidades investem nisso e o resultado é desastroso. Em Jaboatão dos Guararapes, PE, a manutenção custará quase o valor da obra. Conceição da Barra, ES, e algumas praias de Fortaleza seguem o mesmo caminho. E não faltam outros exemplos”, lamenta Lyra.
PALAVRA-CHAVE: ADAPTAÇÃO – Para Haponiuk, mesmo quando a cidade está consolidada na linha do mar e a engorda artificial parece ser a única solução, é preciso pensar em gestão de longo prazo. No último século, o nível do mar subiu 20 cm, e as previsões do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) estimam uma elevação de mais de 1 m até 2100. “Com quase 7,5 mil km de costa, o Brasil deveria estar bastante preocupado com a adaptação das cidades, porque os efeitos das mudanças climáticas já atingem muitas populações costeiras, mas os governos têm dado pouca atenção ao tema”, afirma a especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, ex-presidente do Ibama, urbanista e advogada. Segundo ela, os municípios precisam elaborar planos específicos e medidas para afastar as construções da linha da praia, priorizando soluções baseadas na natureza e a recuperação do mangue.
“Nesse sentido, o ordenamento territorial é ferramenta importantíssima”, concorda Haponiuk. Em Itapoã, ele chegou a calcular dois cenários: o custo do alargamento da faixa de areia mais a manutenção do serviço por 50 anos, e o investimento necessário à desapropriação dos imóveis situados na primeira quadra (pouco verticalizada) das praias erodidas. “Sabemos que a segunda opção é polêmica, mas, na ponta do lápis, daria para fazer esse recuo de forma gradual e com efeitos mais significativos”, pondera.
“Pensando inclusive no turismo, não adianta ficar remendando as praias porque isso não vai dar conta do problema. Precisamos mudar a legislação urbanística municipal, algo demorado, e fazer valer as leis existentes que protegem mangues, restingas e a Mata Atlântica, além da que define o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro”, acrescenta Suely Araújo.
Ana Paula Prates conta que o Conservatoire du Littoral, do governo francês, está recomprando terrenos na costa daquele país para garantir áreas manejáveis no longo prazo. “Aqui, ao contrário, temos Atafona [no Rio de Janeiro] perdendo 40% da cidade para o mar e parlamentares tentando aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional que acaba com os terrenos de marinha, áreas da União”, contesta ela, dizendo que esses ecossistemas são grandes aliados no combate às mudanças do clima.
“Manguezais e apicuns armazenam até cinco vezes mais carbono por hectare do que as florestas tropicais. Uma baleia equivale a mais de 35 mil árvores em termos de sequestro de CO2. Precisamos de políticas públicas de conservação dessa biodiversidade porque dependemos desses ambientes e espécies para viver, e não apenas para ir à praia”, conclui.
A visão futurística de Cícero Lucena faz, portanto, a diferença nesse momento crucial para a praia do Cabo Branco.
Fonte: Da Redação (Marcos Marinho) com pesquisa na NET