Valberto José

Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.

Ela vai continuar grande “nessa vida marvada”

Publicado em 17 de novembro de 2022

Se o álbum duplo Fa-tal – Gal a todo vapor foi um “facho de luz na escuridão do Brasil de 1971 e, por isso ainda faz sentido e soa preciso, (mais de) 50 anos após o lançamento”, na visão do jornalista carioca Mauro Ferreira, também foi premonitório.

A premonição de que a quarta-feira, 9 de novembro de 2022, seria fatal para a MPB. Além da inesperada passagem de Gal Costa, Rolando Boldrin partiu, neste dia, antes do combinado com os seus fãs.

Gosto de ouvir os dois, sobressai, no entanto, minha identificação com Boldrin, pela sua performance cênica e, principalmente, pelo apresentador televisivo que foi e por “tirar o Brasil da gaveta”.

Recitando textos curtos e poemas, o multiartista extravasava em gestos faciais todo seu talento de ator. A declamação do poema “Sinto vergonha de mim”, de Cleide Canton, cuja última estrofe evoca Rui Barbosa com trecho do seu pronunciamento no Senado Federal em 1914, atesta.

Muitos já falaram sobre Gal, muitos escreveram sobre Gal, mas sempre haverá o que falar, o que escrever sobre essa Graça da Bahia, tão inspiradora. Principalmente de sua potencialidade vocal e de sua capacidade de cantar qualquer ritmo deste Brasil de musicalidade tão plural.

Depois da notícia fatal, li muito sobre Gal, mas preferi ouvir mais. Acalentar minha alma com sua voz nessa diversidade de sons, de ritmos, que foi sua carreira. De primeira, me surpreendeu cantando com Luiz Gonzaga “Forró Número Um”, que eu não lembrava de ter ouvido com a dupla.

Na pesquisa involuntária no Youtube, encontrei uma preciosidade de 1973. Ela, num teatro, tocando violão e cantando Trem das Onze. Acompanhada por um grupo que não identifiquei e um coral afinado, dando uma nova roupagem, linda e longa (mais de 7 minutos), ao clássico de Adoniran.

Acompanhava Rolando Boldrin desde a minha adolescência, nas novelas da Rede Tupi. O ator e o músico. Em 74, ele fez par romântico com Cleyde Yáconis na novela Os Inocentes e cantava a música Tema para Juliana; depois, cantando Palavrão, em Ovelha Negra, exibida em 1975, e da qual também foi protagonista ao lado desta grande atriz.

Devido à minha lida diária – trabalhando às manhãs de domingos, pouco assisti dos programas de Boldrin, desde sua estreia no Som Brasil, em 1981. Somente a partir de janeiro de 2019, após o fechamento da loja de carnes, passei a ser um assistente assíduo de Sr. Brasil. Desde então, só uma viagem ou acontecimento importante me tirava de casa ou do olho na TV no horário.

Pena que a pandemia nos privou de assistir a programas inéditos, porém nos deu a oportunidade de ver ou rever boa parte dos exibidos nos 17 anos de grade da TV Cultura. Aí pude conhecer a diversidade musical do Brasil.

Vide Vida Marvada, tema de abertura do Som Brasil, é a música mais conhecida de Boldrin, no entanto, a que mais gosto é Palavrão, além de gostar muito de Tema para Juliana. De letra curta e repetitiva, tão repetitiva que cada estrofe é um refrão, Palavrão parece ser uma canção de protesto aos acontecimentos da época.

No Nordeste, Boldrin, a sanfona, sentida, chora mais alto no peito. “E assim vamos tocando essa vida marvada”. “Ela já não é mais a minha pequena”, lembra o verso da Que pena, música de Jorge Bem Jor que Gal também canta. Ela nunca foi nossa pequena. Foi e vai continuar, feito Elis, nossa grande cantora.