Valberto José
Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.
Ela lavava até nossas almas
Publicado em 2 de fevereiro de 2023Uma exaustiva rotina diária de trabalho, que começava pela madrugada, me impediu de usufruir de imediato da bondade, da paciência e da serenidade de dona Maria, além da competência de seus serviços. Foi um certo tempo sem conhecê-la, mas quando a conheci já em serviço na casa materna, me encantei.
Dona Maria chegou para lavar a roupa da casa de minha mãe indicada por uma amiga quase irmã, pois comadres. Com os anos, ela foi estendendo a prestação de seus serviços a outros familiares de dona Cleonice, incluindo minha casa, depois que me casei, permanecendo até suas condições físicas permitirem.
De uma calma comovente e um sorriso espontâneo que ocultava as contrariedades do dia a dia, dona Maria dava conta dos serviços num tempo em que a prole vivia quase toda nos cóses da matriarca, e sequer uma máquina de lavar dispunha. A máquina era ela. Máquina humana a distribuir carinho, simpatia e amor, cativando a todos.
Em época de precariedade do transporte público da Catingueira, bairro onde sempre morou, tinha na casa de minha mãe um ponto de apoio, dormindo pelo menos duas noites para cumprir sua rotina de trabalhos no outro dia e em outros lares. Todos adoravam sua presença.
Depois que coloquei o bambolê da felicidade, dona Maria passou a lavar as nossas roupas, uma rotina quinzenal por cerca de 15 anos – mais de 20 na casa de minha mãe, interrompida quando a idade e as condições físicas exigiram repouso. “Ela lavava, engomava, dobrava e ainda guardava as roupas nas gavetas”, lembra Margarida.
Além de nossas roupas, dona Maria lavava nossas almas. Certa vez, alguém em casa a constrangeu com alguma fala, uma palavra mal colocada. Não se aborreceu e nem mudou seu jeito de ser; questionada depois, justificou dizendo que “pelo santo se beija o altar”, referindo-se a mim.
A querida lavadeira tinha, no entanto, um problema que preocupava a todos, além de seus familiares. Quando chegava num velório de uma pessoa amiga, desmaiava. Aconteceu na passagem do meu tio Cleodon, na partida do meu irmão caçula e de outros familiares.
Só não ocorreu na Páscoa do meu filho Gláuber, pois um câncer já lhe afetava de forma agressiva o estômago. Na segunda-feira, 30 de janeiro, os amigos de dona Maria é que desmaiaram.