Marcos Marinho

Jornalista, radialista, fundador do ‘Jornal da Paraíba’, ‘Gazeta do Sertão’ e ‘A Palavra’, exerceu a profissão em São Paulo e Brasília; Na Câmara Federal Chefiou o Gabinete de Raymundo Asfóra e em Campina Grande já exerceu o mandato de Vereador.

…e Luizito expurgou a “incompetência” na Ditadura

Publicado em 8 de abril de 2025

A morte de Luiz Motta Filho (Luizito), mês passado em João Pessoa onde morava, encerra mais um capítulo da ditadura militar em nossa geografia.

Nomeado Interventor Federal, administrou a Prefeitura Municipal de Campina Grande naqueles anos sombrios com fidelidade canina aos homens dos quartéis, que apostaram na sua juventude para mostrar que a tolerância com a incompetência teria que ser zero no País.

Os militares degolaram Newton Rique e mais à frente Ronaldo Cunha Lima, eleitos democraticamente prefeitos da então maior cidade do interior do Nordeste, e para cá nomearam como primeiro Interventor um militar medíocre e decrépito, Manoel Paz de Lima.

Quando os militares botaram no olho da rua a incompetência e lerdeza de Paz de Lima, Campina Grande não tinha mais a imagem de Capital do Trabalho, construída entre os anos de 1940 e 1950, uma cidade desenvolvida onde habitavam homens e mulheres trabalhadores. Era a “Rainha” que se enfeitava nas reformas urbanas, mas no final dos anos 1960 e início dos anos 1970 começou a adquirir traços que a tornavam feia e sem esperanças, isso por conta de uma política fiscal que priorizava as capitais.

A instabilidade política reinante naquela época, que em menos de dez anos abrigou sete prefeitos, não nos favorecia. A cidade passava por uma crise financeira, com cofres vazios e, mais do que isso, vazia de esperança, de planos futuros que pudessem tirá-la daquela situação.

Segundo um historiador da época, os campinenses haviam desistido de sonhar.

Luizito foi surpreendido com a notícia de ter sido escolhido, na condição de preposto dos militares, para substituir o velho Paz de Lima. Estávamos em 15 de julho e o filho da terra, distanciado das lides políticas, apenas um homem de negócios, químico industrial, não poderia decepcionar. E ele não tardou a mostrar a sua competência, implementando uma gestão racional, marcada pela tecnocracia e o planejamento das transformações urbanas, pensadas para além do ano 2000.

Cercou-se então de um aparato humano qualificado para pensar sobre as possíveis soluções dos problemas da cidade, identificados então, entre outros, como sendo o caos administrativo, a arrecadação decadente e desatualizada, problemas de infraestrutura, a construção civil estagnada, o comércio parado e – o que lhe tocava em particular – o desânimo e o pessimismo que se tornava cada vez mais evidente em cada cidadão.

As portas fechadas dos estabelecimentos empresariais significavam, no espaço físico da cidade, o esvaziamento de recursos financeiros. Mas, principalmente, o esvaziamento da “alma da cidade”, refletindo a falta do entusiasmo, da agilidade e da fé no futuro, justamente estas que foram, durante muito tempo, ditas como algumas das dimensões mais marcantes dos corpos campinenses, algo pelo qual muitos campinenses se orgulhavam.

Luizito arregaçou as mangas e montou em 1971 um Grupo de Trabalho para Termos de Referência, produzindo um diagnóstico minucioso sobre Campina Grande, na verdade um Pré-Plano no qual se estabeleceu uma série de ações, projetos e recomendações imediatas prioritárias para o desenvolvimento da cidade. Projetos foram elaborados e para a sua execução foi buscado o financiamento federal. Enquanto isso, com recursos da prefeitura, realizou o cadastro aerofotogramétrico do solo urbano (efetuado pela Força Aérea Brasileira) que facilitou a racionalização dos impostos sobre a propriedade urbana; promoveu, com o apoio do MOBRAL, a alfabetização de 26.000 pessoas; participou da ampliação da 2ª Adutora; pavimentou 200.000 m2 de ruas; construiu mais de 3 km de galerias pluviais; ofertou 4.950 novas vagas no ensino primário; recuperou administrativa e financeiramente a Companhia de Eletricidade da Borborema (CELB); aumentou a arrecadação do município; reajustou o salário dos funcionários.

Esse trabalho resultou na elaboração do Plano de Desenvolvimento Local Integrado de Campina Grande (PDLI), elaborado pela Companhia Pró-Desenvolvimento de Campina Grande (COMDECA), empresa de economia mista.

E ao entregar a gestão ao sucessor, Evaldo Cavalcante Cruz, o PDLI já estava pronto e o município dispunha de uma Reforma Administrativa implementada, com Manuais de Rotinas, Código Tributário atualizado, Código de Posturas, Lei Orgânica, Lei do Plano Diretor Físico, Código de Edificações, Código de Instalações, plano paisagístico, projetos para erradicação de favelas e para a urbanização da Avenida Canal.

Historiadores, como Kelly Catão, lembram que muitos projetos idealizados na gestão Motta Filho ainda são, muitas vezes, vinculados a outros gestores, como por exemplo o projeto do Museu do Algodão e a urbanização da Área do Antigo Pátio Ferroviário; o projeto de Recuperação do Teatro Municipal; o projeto do Museu e Centro Cultural e, principalmente, o Parque do Açude Novo, que veio a receber o nome do gestor que o construiu, Evaldo Cruz, projeto pensado e desenhado pelo arquiteto Renato Azevedo ainda na gestão de Luizito, cuja verba para a sua execução foi liberada por pedido do próprio interventor ao então ministro do Planejamento, Reis Veloso.

Alguns projetos daquela gestão só vieram a ser realizados muitos anos depois, como a erradicação da Favela da Cachoeira e outros que ainda hoje aparecem como inovadores, caso do Plano de Urbanização do Açude de Bodocongó.

Luizito era uma pessoa rígida, bem ao gosto da linha dura militar, centrado tão somente na resolução dos problemas pelos quais Campina Grande enfrentava, apresentando a partir de números a melhoria financeira da cidade. Ao mesmo tempo, evidenciou outra dimensão, que para ele fora o benefício mais importante da sua gestão: a de governar enxergando a sensibilidade dos moradores, experiência que recebeu do Jornal da Paraíba, na época, um expressivo editorial, sob um título expressivamente marcante – RESTAURAÇÃO DA FÉ CAMPINENSE EM SEUS DESTINOS.

O texto destacava a importância maior do Governo Luiz Motta Filho, que não era dada aos ganhos materiais e financeiros, mas a outros, algo subjetivo, algo que passava pelo campo da sensibilidade coletiva de toda uma cidade – a restauração de uma percepção de mundo, a restauração de um sentimento comum, a restauração da fé nos destinos e sonhos da cidade.
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Conheci Luizito, sofri com a sua palmatória, mas nos tornamos amigos. Ano passado mandou seu filho Lula me procurar para uma conversa. Mas, infelizmente, o destino impediu (adiou apenas) esse nosso derradeiro encontro.