Valberto José

Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.

Cenas urbanas de uma cidade centenária(I)

Publicado em 3 de outubro de 2023

Continuam gravadas na minha memória de sessentão até conservado, cenas vividas, vivenciadas ou testemunhadas na Campina Grande centenária dos anos de 1960. A maioria delas tendo como cenário o bairro do Cruzeiro, parte que ainda nos finais daquela década passou a ser Santa Cruz, após a construção da igreja que adotara esse nome, hoje, Nossa Senhora das Dores. A rua Almirante Barroso, o palco principal.

Costumava trocar a mesada da lotação (ônibus) que meu pai me dava, após embarcar no trem que o levaria a Sousa para sua rotina de mascate, pelas guloseimas de então. Naquele dia, depois que o ajudei a colocar as malas carregadas de tempero, comprimidos e miudezas, sai faceiro pela hoje avenida, um picolé na mão, e os olhos atentos a uma improvável carona.

Já nas proximidades do Café Diamante, agora Forno Nobre, certo rapaz me emparelhou, andamos juntos alguns metros e, quando chegou à casa onde ficaria, segurou meu braço esquerdo e gritou: te peguei. “Mãeeeeee”, reagi, ao tempo que ele foi abrindo a porta, rindo um sorriso magano do susto que me pregara.

Estávamos todos na sala, portas e janelas abertas, quando um cavalo risca na frente da casa; dele, desce um senhor avermelhado, meio triste e acabrunhado, e o amarra ao pé de castanhola. Era um parente de minha mãe que enviuvara recentemente. Papai procurou reanimá-lo na recuperação da perda sofrida; disse-lhe, entre outras, que assumisse outra companheira. A conversa animara o velho, que montou no cavalo com outra postura, esbelto e de peito aberto. Três meses depois, a notícia de que juntara os troços com uma namorada do tempo de sua mocidade.

Naquela manhã, papai saiu em busca de ampliar as folhas de um abaixo-assinado junto aos moradores do bairro. Fazia-lhe companhia eu e mais um irmão, este levando um cabo de vassoura, ora atravessado nos ombros, segurando-o com as mãos e os braços levantados, ora fazendo dele cavalo de pau. O trio ziguezagueando de um lado e outro da rua, conforme a janela ou a porta expunha o morador.

Já se aproximando do final da rua, no acesso às Três Irmãs e início da Francisco Lopes de Almeida, para uma caminhonete Chevrolet C10 ou C14. De cima da carroceria, pulam alguns homens, agradecendo a carona oferecida pelo motorista, um moço simpático, de óculos escuro, muito falante, que cumprimentou papai, derivando para uma conversa curta.

Na volta ao lar, é que soube quem era. “Falei agora com o deputado Vital do Rêgo, que vinha da Fazenda Campo de Boi”, confirmou à minha mãe. “Chega fiquei com vergonha. Ele conversando, e Afonso com esse pau pelo meio da rua”, queixou-se da traquinagem do filho.

Entre os oito, 10 anos fiz amizade com Washington, filho de um amigo de papai. Naquele dia, brincávamos nas proximidades de sua casa, distante uns 200 metros da nossa, quando avistamos um caminhão velho, carregado de areia ou massame, arrastando-se pela rua sem pavimentação nenhuma. “Vamos se amorcegar”, convidou, no que a inocência de minha infância feliz concordei.

Conforme a aproximação lenta do carro, íamos ao seu encontro e, driblando a visão do chofer, ficamos pendurados na traseira de sua carroceria; ao avançar alguns metros ouvi um grito conhecido. “Valbeeerto”. Era Zé Patrício, que já me esperava de cinto na mão, alertado que fora por um vizinho. Saí em disparada, mas antes de entrar em casa senti a lapada no lombo. Nunca mais me amorceguei em carro nenhum, nunca mais tive contato com o coleguinha aventureiro.