Campinense que caiu nas graças de Bolsonaro também está na lista de indiciados da PF por tentativa de Golpe de Estado

Publicado em 22 de novembro de 2024

O campinense Tércio Arnaud Tomaz apareceu na lista dos alvos do inquérito policial que investiga uma tentativa de golpe de Estado no fim do governo Bolsonaro. Além dele, outros 36 suspeitos também foram indiciados na tarde desta quinta-feira (21/11), incluindo o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), além de outros nomes do primeiro escalão do governo anterior, como os ex-ministros Braga Netto (Defesa), Augusto Heleno (GSI), o ex-diretor da ABIN Alexandre Ramagem e o presidente do PL Valdemar Costa Neto.

A Polícia Federal investiga um plano criminoso que incluía o assassinato do presidente Lula (PT), do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro do STF Alexandre de Moraes. O objetivo era tentar manter Bolsonaro na presidência da República após sua derrota nas eleições. A ação foi orquestrada em novembro de 2022, logo após o 2º turno, e quase colocada em prática em dezembro.

Segundo o relatório enviado pela Polícia Federal (PF) ao Supremo Tribunal Federal (STF), Tercio teria integrado o núcleo responsável por incitar militares a aderirem ao golpe. Ele teria trânsito também na caserna por ser assessor pessoal do Presidente Bolsonaro.

Tércio Arnaud Tomaz também foi um dos pilares do “Gabinete do Ódio” e já teve seu celular, tablet e um notebook apreendido durante a segunda fase da operação “Vigilância Aproximada”, que investigava o esquema da “Abin Paralela”.

Ele foi assessor de Bolsonaro e cuidava das suas redes sociais logo no começo da gestão.

Número dois da estratégia digital, atrás de Carlos Bolsonaro, Arnaud era símbolo da rede suspensa que virou dor de cabeça para o Governo no TSE e Supremo.

Se trabalhasse em uma empresa privada, Tércio Arnaud Tomaz seria um daqueles raros casos que, em dois anos, sairia do cargo de estagiário para o de assessor direto do CEO, com aumento salarial de sete vezes. Entre 2017 e 2019 ele foi de secretário parlamentar de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados, quando era chamado pelo chefe de o “rapaz das redes”, para assessor especial da presidência, com vencimentos de quase 14.000 reais. Nesse meio tempo, passou uma temporada no gabinete do vereador Carlos Bolsonaro, no Rio, onde foi treinado para virar o número dois da estratégia digital da família. A promoção se deveu à sua extensa ficha de serviços prestados, incluindo a tarefa, de acordo com especialistas e o Facebook, de disseminar desinformação pró-Bolsonaro pela Internet.

A conta de Tércio foi uma das 88 (entre perfis pessoais e páginas) no Brasil que foram suspensas pelo Facebook e pelo Instagram por infringir as regras de conduta dessas redes sociais. Em outros quatro países – EUA, Canadá, Equador e Ucrânia – foram mais 402, após extensa investigação feita pelo Laboratório Forense Digital do centro de estudos Atlantic Council, a pedido do próprio Facebook.

O assessor íntimo do Planalto era um símbolo da ofensiva da rede social, que ficou sob pressão para deter a disseminação de conteúdo tóxico em meio a uma campanha global de boicote de marcas.

A suspensão da miríade de perfis foi mais um elemento que jogou luz na controversa estratégia digital do presidente de ultradireita brasileiro, que, no poder, seguia acionando o apelidado “gabinete do ódio” para promover o presidente e moer reputações. A eficiente máquina de propaganda que o levou ao poder e o intenso uso das redes sociais pela militância digital já estavam sob escrutínio. Inclusive, tramita no Supremo Tribunal Federal um inquérito que apura um esquema de disseminação de fake news que já pôs outros bolsonaristas na mira. O tema também é objeto de uma investigação no Congresso. Além disso, a conduta de Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018 ainda é alvo de uma lenta, mas perigosa ação no Tribunal Superior Eleitoral, que apura o uso do WhatsApp para envio ilegal de mensagens em massa. Todas as três frentes podem acabar sendo alimentadas pelas informações expostas pelo Facebook.

Bolsonaro, recolhido na residência oficial à época desde que informou ter contraído coronavírus, reagiu. Em sua transmissão ao vivo semanal pelo próprio Facebook, o presidente reclamou da ação da rede social. “Vemos que o Facebook derrubou páginas em todo o mundo. No Brasil, sobrou pra quem está do meu lado, pra quem é simpático à minha pessoa. A esquerda fica posando de moralista, mas olha aqui, blog me associando ao nazismo. Bolsonaro decapitado. Ninguém fala em derrubar essas páginas”, disse.

Ao longo daquela semana, o aplicativo WhatsApp, que também pertence ao conglomerado de Marc Zuckerberg, derrubou contas vinculadas ao PT por disparo de mensagens em massa, infringindo regras da companhia.

Procurado por jornalistas, Arnaud não atendeu a nenhum pedido de entrevista.

Ele era apontado pela auditoria como o responsável pela página @bolsonaronewss, um canal de dispersão de conteúdos pró-Bolsonaro que atacava adversários políticos. Os alvos eram diversos. Desde seus antagonistas nas eleições de 2018 (principalmente do PT), passando por neo-opositores, como os governadores João Doria (PSDB-SP) e Wilson Witzel (PSC-RJ), e chegando em antigos ministros, como Luiz Henrique Mandetta, Sergio Moro e Carlos Alberto Santos Cruz.

Dois ex-aliados de Bolsonaro relataram que Tércio se aproximou do então presidente em 2017, quando ficou famoso como administrador do perfil Bolsonaro opressor 2.0. A página, hoje extinta, tentava transformar o então deputado federal em uma pessoa humilde e ironizava os discursos contra minorias, tão frequente ao longo dos 28 anos de mandato de Bolsonaro na Câmara. Foi quando Tércio acabou contratado para trabalhar como assessor de Bolsonaro. Mudou-se de Campina Grande para o Rio de Janeiro. Além do emprego, morou de favor em um apartamento do parlamentar. O que despertou ciúmes do filho 03, o vereador Carlos, o responsável pelas redes do pai. Para evitar uma eventual disputa interna, Tércio saiu do gabinete de Jair para o de Carlos, na Câmara Municipal.

Na campanha eleitoral de 2018, quando Bolsonaro não tinha um assessor de imprensa oficial, era Tércio quem respondia às questões básicas da imprensa, como a agenda do candidato ou sobre em que momento ele daria uma entrevista coletiva. Também era ele quem enviava as fotos mais banais do presidente, como quando ele comia um pão francês e tomava um café em um copo reaproveitado de requeijão em uma mesa sem toalhas.

O cargo no Planalto veio como uma premiação. Tornou-se um dos membros do batizado gabinete do ódio, o grupo formado por outros dois assessores – José Matheus Sales Gomes e Mateus Matos Diniz. Orientados por Carlos, eram eles quem davam o norte da atuação de Bolsonaro nas redes e o que acabava mobilizando a militância digital.

DE ASCENÇÃO METEÓRICA Á DOR DE CABERÇA

Depois dessa ascensão meteórica, Tércio tornou-se de fato a cara vísivel da dor de cabeça que o presidente passou a administrar em seu Governo. Numa dessas, após a ação do Facebook, o presidente da CPI das Fake News, o senador Ângelo Coronel (PSD-BA), enviou um requerimento de informações à empresa para compartilhar os dados que havia nessas contas que foram bloqueadas. Se constatadas irregularidades, Tércio deveria ter sido denunciado criminalmente. “Não foi por crime que as páginas caíram. Foi por violar condutas internas da empresa Facebook. Agora, temos de saber se eles praticaram algum delito ou não”.

Um pedido de convocação de Tércio e dos outros dois membros do gabinete do ódio foi aprovado e assim que a CPI voltou, estiveram entre os primeiros a depor. “A retirada das páginas do ar mostra que a atuação do ‘gabinete do ódio’ seguia intensa. Isso reforça as denúncias que já vínhamos apurando na comissão”, disse a relatora do grupo, a deputada Lídice da Mata (PSB-BA).

Do Judiciário, também vieram reações. Em seu Twitter, o ministro Gilmar Mendes afirmou que o inquérito das fake news que tramita no Supremo e acossa a militância bolsonarista acabou sendo fortalecido. Disse ele: “A derrubada pelo Facebook de perfis envolvidos na divulgação de #fakenews demonstra a relevância do trabalho desenvolvido no chamado inquérito das fake news. Disseminar o ódio e incentivar ataques às instituições do país são atitudes que não podem ser toleradas em uma democracia”.

Enquanto assistia ao avanço das apurações contra o núcleo digital do Governo, Carlos Bolsonaro sinalizou, mais uma vez, que estaria se afastando desse trabalho informal para seu pai. Em uma postagem no antigo Twitter ele disse que aos poucos vai se “retirando do que sempre explicitamente” defendeu e que está “cagando pra esse lixo de fakenews e demais narrativas”. Também disse saber que ninguém era insubstituível, nem mesmo ele.

Entre os pesquisadores que rastreavam as redes de desinformação, havia esperança de que o Facebook tinha começado a expor a ponta do iceberg que poderia dar origem a outras investigações, mas também ceticismo. “Me parece que não acontecia apenas no Facebook e no Instagram. Quando alguém fala mal de Bolsonaro, a reação aparece em diferentes plataformas e em diferentes níveis”, dizia a pesquisadora Luiza Bandeira, que trabalhava na Digital Forensic Research Lab, da Atlantic Concil, e colaborou com o Facebook na investigação desses perfis.

“Há muitas páginas e muitas contas que espalham essas coisas. Tem que usar [essa ação do Facebook] para começar a investigar outros autores que podem estar envolvidos”, avisava. Já David Nemer, especialista em Antropologia da Informática que estudava o território virtual que abriga o bolsonarismo, era mais cauteloso: “A empresa tenta mostrar que está fazendo alguma coisa, tenta satisfazer várias frentes. Mas suspender 100 páginas não é nada”, argumenta o pesquisador. “É preciso ter cautela: essa ação não é nada mais nada menos que uma ação de relações públicas, sem efeito a longo prazo”.

Fonte: Da Redação com arquivos do Google