Valberto José
Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.
Campina Grande nunca deixará de jogar rosas para Rosil
Publicado em 5 de julho de 2023Vizinhar meus avós paternos foi uma oportunidade instrutiva de sorver a cultura nordestina em toda a sua essência, na minha infância feliz. A televisão era privilégio de poucos moradores da Rua Almirante Barroso dos anos 60, e o rádio centralizado na larga sala da casa juntava filhos, agregados, netos e até vizinhos de Seu Patrício e Dona Aurora.
A programação começava logo cedo com os programas de forró das rádios Borborema, Caturité e Cariri, seguidos às oito horas pelas cordas da viola e o repente dos cantadores no “Retalhos do Sertão”, encerrando à noite com o Forró de Zé Lagoa, que tinha início às 20h. Rosil Cavalcanti, compositor de clássicos da música nordestina, apresentava esses programas.
Rosil também “microfonava” a Patrulha da Cidade, juntamente com Humberto de Campos, noticioso policial da Rádio Borborema. “Lembre-se: o crime não compensa”, conscientizava a vinheta do programa, cuja parte que eu mais gostava era a musical, com composições em ritmo regional de Rosil troçando temas policiais, geralmente brigas de marido e mulher, de vizinhos, e causos de bebedeiras.
No Forró de Zé Lagoa, Rosil interpretava o personagem, diziam, com um nariz de palhaço. “Forró de Zé Lagoa, beco da facada”, foi um dos bordões criados pelo apresentador do programa, campeão de audiência do horário. “Rosil Cavalcanti, o pernambucano que virou mito na Paraíba”, definiu bem a importância de Rosil no Estado, a manchete da página de Cultura do Jornal do Commercio, de Recife, em 2015, lembrando o centenário do compositor.
Autor de clássicos do regionalismo musical nordestino, Rosil convidou “Sebastiana” para dançar e xaxar no “Forró de Zé Lagoa”, no “Forró da Gafieira” e “A festa do milho”; ainda o “Coco Social” e o “Coco do Norte”. Rosil segurou “Sebastiana” pelo braço, que girou no salão com “Cabo Tenório”, o “Amigo velho”, ainda pediu “Faz força, Zé”, e gritou “Ô véio macho”. Na concepção do autor, coube o lamento dos efeitos causados pela seca, em “No meu Cariri” e “Aquarela nordestina”.
No início daquela tarde de 10 de julho de 1968, após assistir à Patrulha da Cidade, peguei a primeira lotação que apareceu e rumei ao centro da cidade, a mando de papai, indo às compras dos produtos que embalávamos para o seu comércio ambulante. Na conversa dos passageiros, senti algo estranho, triste; ao descer da “bicudinha”, avistei a multidão no Posto Esso (Futurama) tomando o Largo Severino Procópio, onde ficava a residência do compositor.
Era a repercussão da morte, que, de repente, feito os versos dos cantadores do Retalhos do Sertão, levara Rosil Cavalcanti, vítima de um infarto, após a apresentação da Patrulha da Cidade. A cidade quase parou, e as homenagens começaram. “Enquanto houver 10 de julho/O povo faz oração para Rosil Cavalcanti/Compositor de baião”, versos de uma canção gravada por Elino Julião e muito tocada naquele ano.
Wilson Maux, radialista e teatrólogo, substituiu Rosil na apresentação do Forró de Zé Lagoa. Com o tempo, o programa foi renomeado para Forró do meu Sertão. Ainda naquele 1968, o Conjunto Zé Lagoa, grupo musical que herdara o nome e dava apoio ao programa, com Chicó na sanfona, manteve-se em atividade, animando comícios pelos bairros da cidade.
Por um desses desígnios da vida, também num 10 de julho, só que de 1982, morria um dos ícones da música nordestina, Jackson do Pandeiro, amigo e maior intérprete de composições de Rosil.
Enquanto ouvirmos “Tropeiros da Borborema”, bela melodia nos versos igualmente belos de Raymundo Asfora, considerada o hino extraoficial de Campina Grande, Rosil estará na memória campinense.