Aprender no cárcere: 3,2 mil detentos do Ceará conquistam diploma do ensino médio
Publicado em 22 de novembro de 2022Dos 46 anos do mineiro Fernando Monteiro, 22 foram passados na prisão. Ele foi condenado em 2000 e ficou detido em um presídio do Distrito Federal até 2014, quando foi transferido para o Ceará, onde segue cumprindo a sentença. Conseguiu o direito ao regime semiaberto recentemente.
Foi justamente nessas quase duas décadas de clausura que o detento vivenciou as oportunidades mais significativas de sua vida. Concluiu o Ensino Médio, fez um curso de costura industrial e outro de informática, conseguiu um emprego em uma indústria de confecção, fez o Exame Nacional do Ensino Médio para pessoas privadas de liberdade (ENEM PPL) e ganhou uma bolsa de estudos para estudar Administração em uma faculdade por meio do Programa Universidade para Todos (ProUni).
“Eu não quero mais o crime porque a educação mudou a minha vida. Enquanto eu estiver com vida, vou continuar lutando pelos meus sonhos”, desabafa Fernando.
As oportunidades surgiram para Fernando em 2021, quando a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (SAP) do Ceará fechou uma parceria com o Serviço Social da Indústria (SESI) do estado, totalmente gratuita e pioneira, para oferecer aos detentos a possibilidade de concluir os ensinos fundamental e médio, por meio da Nova Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Cerca de 3,2 mil internos já foram atendidos pela iniciativa. Pelo menos 62 eram analfabetos quando foram presos e saíram ou vão sair da prisão sabendo ler e escrever, segundo dados do SESI e da SAP do Ceará.
Por enquanto, o projeto funciona em cinco presídios do estado: três em Fortaleza, um em Juazeiro do Norte e um em Sobral.
Com exceção dos detentos de alta periculosidade, mantidos em alas de segurança máxima, todos podem aproveitar o período de clausura para estudar com o SESI. Os interessados fazem uma prova de nivelamento para que a equipe pedagógica monte turmas de acordo com o grau de escolaridade de cada um. A coordenadora de Inclusão Social do Preso e do Egresso da SAP do Ceará, Cristiane Gadelha, explica que esse é um diferencial.
“A gente lida com adultos que saíram há muito tempo da sala de aula e vê a necessidade tanto de eles concluírem o processo de escolarização para que eles possam acessar outros benefícios do interior das unidades, quanto da própria capacitação profissional. Se ele não foi alfabetizado, dificilmente vai conseguir compreender uma aula de qualquer curso, por exemplo na área da construção civil, quando tem uma aula de matemática, por exemplo. Então, a gente precisa fazer esse esforço de nivelar as turmas, para que eles concluam a escolarização e alcancem outros benefícios”, pontua.
A cada 12 horas de frequência escolar, um dia de cumprimento de pena é abatido. Se concluírem o ensino fundamental, médio ou superior na prisão, os detentos têm direito a reduzir da pena um terço do tempo de estudo. A leitura também vale muito: cada livro lido pode significar quatro dias a menos na prisão. Mas o principal objetivo alcançado, segundo o superintendente regional do SESI-CE, Paulo André Holanda, vai muito além disso.
“Uma das principais motivações disso tudo é evitar a reincidência criminal, porque você está atuando fortemente nas pessoas, naquele ser humano, dando oportunidade de uma qualificação profissional e de estudo, e, com isso, aumentam as chances de eles entrarem no mercado de trabalho”, explica.
Com qualificação e trabalho, detentos conseguem renda extra para a família
O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) atua em parceria com o governo do estado oferecendo cursos de qualificação profissional para detentos há mais tempo e em mais unidades. São 19 penitenciárias ao todo, com 11,3 mil detentos formados em 2021 e 2022.
Dentro das unidades prisionais, funcionam 8 indústrias que empregam, juntas, cerca de 1,2 mil detentos. São empresas de confecção de roupas, de bebidas, alimentos, uma gráfica e uma fábrica de ventiladores.
Toda a renda que os detentos conseguem com o trabalho vai para os familiares ou é depositado em uma conta bancária que só pode ser acessada ao fim da pena.
E com as práticas dos cursos que estão em andamento, como os de construção civil, refrigeração e climatização, os detentos estão construindo 18 salas de aula, 12 galpões que vão abrigar novas indústrias e uma escola de nível médio – tudo dentro das penitenciárias e para uso dos próprios internos.
Aulas diferentes para alunos diferentes
As aulas da nova EJA ocorrem dentro dos presídios, de segunda a quinta-feira, em salas de aula adaptadas. Os professores não têm contato direto com os alunos e também não conhecem os antecedentes criminais dos estudantes.
“Para o professor, não interessa qual é o motivo de o detento estar lá, qual crime ele cometeu. São alunos e ponto. Toda a metodologia é adaptada. O professor é orientado e respeita muito isso”, explica Paulo André.
O detento Fernando Monteiro, que conseguiu uma bolsa do ProUni para estudar Administração, está cursando a graduação online de dentro da penitenciária. Diz que quando terminar o curso quer continuar estudando.
“Nada pode tirar de mim o conhecimento que eu estou adquirindo”, reflete.
Fonte: Assessoria