Valberto José

Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.

Antes o Sertão clamava por água, hoje produz até cerveja 

Publicado em 24 de julho de 2023

Produção da cerveja Voiller, às margens da BR 230 entre Pombal e Sousa

A classificação antecipada, em uma rodada, de Nacional de Patos e Sousa na Série D do Campeonato Brasileiro só atesta a escalada de desenvolvimento do Sertão paraibano nas últimas décadas, agora alcançando o futebol da região, que começa a ganhar contornos nacionais. Sou de um tempo em que pouquíssimos produtos eram fabricados na sua área urbana ou rural e que praticamente tudo vinha de fora.

Passei boa parte da infância vendo meu pai comprando miudezas (produtos de armarinhos e outros penduricalhos) e comprimidos em Campina Grande e Recife para vender no Sertão, após deixar o ofício de motorista de lotação (ônibus). Na condição de comerciante ambulante, percorria as cidades de Pombal, Sousa e Catolé do Rocha e adjacências.

Vislumbrando um futuro promissor para a família, Seu “Zé dos Cachetes”, como chegou a ser conhecido, resolveu mudar-se e fixou residência em Patos, em 1971, após uma curta temporada em Malta. As circunstâncias não lhe foram favoráveis, pois a região ainda sentia fortemente as consequências da seca de 1970, o que não impediu que permanecêssemos por praticamente sete anos.

Naqueles anos, pouco o Sertão produzia, girando sua economia no beneficiamento de algodão nas principais cidades, laticínios caseiros, fábrica de sabão em Sousa, moagem de café em duas ou três delas. Em solo patoense, a indústria de móveis de Aderbal Martins era motivo de admiração. A Premol, com sede na Rainha da Borborema, tinha uma filial sousense.

Nos últimos anos, o Sertão da Paraíba vem se firmando como grande gerador de energias renováveis, mas, bem antes, cidades da região já polarizavam a fabricação e o fornecimento de produtos que chegam ao litoral paraibano e a outros Estados. Sousa, por exemplo, sedia uma distribuidora que rivaliza em igualdade de condições na disputa por clientes com as sediadas em Campina Grande e João Pessoa.

O menino que viu o pai levar produtos para vender na geografia sertaneja, voltou, adulto,  à terra natal. Mais tarde, após colaborar numa loja familiar, tornou-se comerciante em bairro local e, até cerrar as portas, diversificou o sortimento de sua venda com parte do fornecimento vindo direto do Alto Sertão.

Se São Bento é conhecida pela produção de redes, a cidade de Itaporanga, no Vale do Piancó, também vem se destacando no ramo têxtil, fabricando flanelas, panos de prato e toalhas; Catolé do Rocha, além de Patos, sedia fábricas de panelas e outros utensílios de alumínio; Sousa e Aparecida se fortalecem com a indústria de laticínios, cujos produtos chegam a outros Estados do Nordeste.

O sertanejo vem aprendendo a conviver com a seca, e esse aprendizado traz o desenvolvimento, inclusive no futebol. O “sol inclemente” que era motivo de migração humana, hoje é alento para que o homem se mantenha na terra que lhe serviu de berço por meio da crescente produção de energia renovável. E pode comemorar esse crescimento econômico tomando a cerveja produzida no próprio sertão.