Valberto José

Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.

Amnésia etílica

Publicado em 22 de abril de 2024

Desde que cerrei as portas do meu comércio, não mais me encontrei com Felício, o boêmio que, de tão calejado na vida mundana, tem crédito nas casas especializadas que costuma frequentar toda semana. Dias desses me deparei com seu irmão Felipe, que, ao me avistar, foi logo abrindo um sorriso que denunciava ter umas boas a contar do que ele aprontara sob o efeito da sua ebriedade habitual. Entre as citadas, conto a que o fez dar um tempo na bebida.

Naquele sábado, Felício chegou em casa no início da tarde, após uma manhã de trabalho na fábrica de calçados, sentindo as consequências da noite pouco dormida, pois na véspera esticara o expediente a uma dessas casas noturnas. De tão cansado, optou por uma soneca antes do almoço, ignorando os acenos da mãe para que se juntasse aos demais da família na primeira refeição substancial. Nem o suco oferecido quis tomar.

Felício acordou com a barriga reclamando comida, reconfortado pelas horas do sono reparador, mas não quis comer nada, além de uma banana e um pedaço de chocolate que a mana deixara no armário. Depois, foi direto ao banheiro, tomou o banho, vestiu a roupa e quando avistou a mãe já colocando o prato na mesa, avisou-lhe que só na volta comeria alguma coisa, pois “vou ali abrir o apetite”. “Não exagere, não”, implorou, com ar de preocupação.

O bar próximo de casa foi a parada de Felício, pedindo uma cerveja e uma porção de arrumadinho, que devorou em instantes com mais uma gelada. Pagou a conta, saiu já pensando em pousar noutro recanto; no caminho, um carro freia bruscamente ao seu lado, o motorista, rindo do susto que pregara, convida-o a dar um rolé etílico. Juntou a sede com a vontade de beber.

Após rodar sem destino, o companheiro estaciona o veículo num bar em Santa Rosa, sequer pergunta o que Felício quer beber e pede duas doses de rum, devidamente acompanhada do refrigerante apropriado. “Vamos girar”, convida o motorizado, após solicitar mais duas e beberem. No caminho, o motorista cai em si e sugere que deveriam ir pra casa. “Você vai, eu não. Antes me deixe no Forró Max”, pede o sapateiro.

Ao entrar no estabelecimento, Felício mal senta na mesa, pede um rum, ruma para o banheiro e quando retorna o garçom está colocando a bebida. Antes de sentar, passa o olhar pelo ambiente e avista três conhecidas, que se dirigem ao espaço atendendo à chamada nada discreta de seu indicador. Conversam um pouco, as moças dizem não poder ficar, ele insiste.

Na passagem do fotógrafo ao lado, ele o chama e ordena que faça fotos, sem encontrar resistência no trio feminino. Após os cliques, elas voltam para o local onde se encontravam; o profissional da fotografia anota o endereço de Felício e promete entregar o serviço em cinco dias. No terceiro, final da tarde, ao chegar do trabalho, só deu tempo ele beber água, a campainha toca. Felício se adiantou ao pai, à irmã e à mãe e foi atender.

– Já posso dizer boa noite, seu Felício, saudou o homem, sem que Felício o reconhecesse.
– Boa noite. Quer falar com quem?
– Com o senhor mesmo. Vim entregar as fotos que fiz lá no forró.
– Você está enganado. Não são minhas, não. Há muito tempo que não vou lá.
Calmamente, o profissional abriu a bolsa, puxou o envelope e o entregou. Felício manuseou a abertura, pegou as fotos, olhos arregalados, estático, sem saber o que dizer.
– Não me lembro de nada. Quanto custou teu trabalho. Tenho que deixar de beber, não me lembro de ter passado lá. “Foi a última vez que Felício bebeu. Já fez um ano”, confirmou Felipe.