AENA vai inaugurar reformas no aeroporto campinense jogando “João Suassuna” no lixo e escondendo painel armorial assinado por Ariano

Publicado em 28 de setembro de 2023

O “novo” aeroporto e sua fachada ditada pela AENA

A multinacional espanhola AENA, empresa ganhadora de boa fatia da licitação federal que privatizou aeroportos brasileiros, incluindo o de Campina Grande, que hoje o administra, teria cometido dois gigantes crimes contra a memória e a cultura não somente da Rainha da Borborema, mas de todo o Nordeste brasileiro.

Aplaudida pelo empresariado e pela classe política por ter investido aproximadamente R$ 100 milhões em ampla reforma do aeroporto, modernizando-o para ajudar na atração de novos voos, o primeiro açoite da AENA diria respeito à alteração no nome da praça de pouso, retirando JOÃO SUASSUNA e botando simplesmente CAMPINA GRANDE.

As letras gigantes na frente do terminal de passageiros, formando o nome do ex-governador da Paraíba, foram jogadas ao chão e substituídas por outras, que indicam apenas “Campina Grande” como definitivo nome do local, prerrogativa que teria na verdade sido usurpada do Poder Legislativo, a quem cabe nominar legalmente ruas, praças e demais logradouros públicos da cidade.

O “velho” aeroporto, com o nome de João Suassuna 

Com reinauguração prevista para acontecer no próximo dia seis de outubro, o aeroporto ‘Campina Grande’ deverá receber, para a solenidade festiva, autoridades locais e federais, já devidamente convidadas, dentre elas o ministro dos Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho.

Atualmente o aeroporto campinense conta com sete voos diários, sendo seis da empresa Azul e um da companhia Gol. Os destinos são Belo Horizonte, Fortaleza, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Além disso, é possível conexão para outros aeroportos do País e até mesmo com voos internacionais.

SEGUNDO AÇOITE

O outro açoite, não menos grave que o primeiro, atingiria toda a cultura regional nordestina ferindo brutalmente um dos seus mais legítimos e destacados representantes – Ariano Suassuna, filho do homem que agora a AENA teria sepultado outra vez.

A ‘jóia rara’ que adornava e enriquecia o aeroporto logo na sua entrada, encantando visitantes e enobrecendo a cultura regional – um painel armorial de cerca de 60 metros quadrados, em mosaico de mármores e granitos, assinado pelo grande dramaturgo Ariano Suassuna e executado por seu genro, Guilherme da Fonte – deixou de adornar a entrada do aeroporto.

O vistoso e histórico painel que a AENA optou por “esconder”

A partir dessa reforma, quem chega pela parte externa para embarcar não mais se deixará encantar com a arte e as poesias de Ariano. A engenharia da AENA optou por isolar o painel, que somente poderá ser visto por quem adentrar ao setor de embarque. “Foi colocada uma fachada de vidro, mas o trabalho de Ariano Suassuna se encontra intacto e no mesmo local, apenas sem a possibilidade de visão para quem não for ao interior do aeroporto”, explicou para a reportagem d’APALAVRA o diretor local da empresa, Luciano de Lima Rodrigues.

O painel de Ariano – e reformas pontuais no aeroporto de Campina Grande – foi inaugurado pelo então Presidente Lula em 31 de outubro de 2003, solenidade que acabou reduzida, na imprensa nacional, a algumas palavras de inconformismo que Lula dirigiu a seus antecessores, acusando-os de covardes pelo pouco ou nada que fizeram para acabar com a fome e a miséria no Brasil.

Ariano e o genro/Lula e Cássio na inauguração do painel armorial

A viagem de Lula, na verdade, foi além dessa cultura política de acusações e mesquinharias. Lula inaugurou o novo terminal no Aeroporto de Campina Grande e também o painel assinado pelo dramaturgo de Taperoá.

O que os dois artistas – Ariano e o genro Guilherme – vinham realizando pela arte nos últimos anos ainda não tinha sido apreendido ou compreendido pelos brasileiros do centro-sul do País. Tudo começou em 1996, quando o administrador de empresas Guilherme da Fonte juntou pedaços de tijolos na porta de sua casa, executando um desenho do sol. A iniciativa chamou a atenção do sogro, que logo encomendou 20 peças e decidiu realizar uma exposição em conjunto. Ariano chamou a mostra de Mosaicos armoriais.

A ideia estava assentada na predileção por símbolos e figuras medievais, que o autor de O Auto da Compadecida identificava no inconsciente coletivo do homem nordestino que aflora aqui e ali nas manifestações artísticas da região.

A dupla Guilherme e Ariano não parou mais de produzir mosaicos, que se espalharam por diversos espaços de Pernambuco e da Paraíba, seja em residências particulares seja em áreas de circulação pública.

O Aeroporto de Campina Grande foi ponto alto desta parceria e revela toda a exuberância da iconografia armorial, somada à poesia que Ariano dedicava a seu pai, toda ela executada em granito negro sobre mármore bege. Para quem não sabe, é importante lembrar que Ariano era filho de João Suassuna, ex-governador da Paraíba e que dá (ou deixou de dar?) nome ao Aeroporto de Campina Grande.

A opção pelo uso de mosaico em aeroportos não foi nova. Pelo contrário, era uma preferência que nasceu quase ao mesmo tempo em que o governo começou a construir os grandes aeroportos brasileiros, como se comprova em um dos mais antigos, ainda da década de 50, o de Congonhas, em São Paulo, que abriga uma obra musiva vistosa, de época, no saguão principal de embarque. Mais recentemente, o aeroporto remodelado de Salvador, agora denominado Luís Eduardo Magalhães, recebeu um belíssimo painel em pastilhas vítreas, assinado pelo artista plástico Glauco Rodrigues que vem se valendo da linguagem há algum tempo (Em 98, Glauco fez um belíssimo mural em pastilhas Bisazza na entrada da Fundação Osvaldo Cruz, no Rio).

Mas a obra de Ariano e Guilherme da Fonte em Campina Grande impressiona pela força da inspiração artística, retirada do que há de mais profundo das raízes nacionais. A partir dela, o turismo paraibano não se bastava na exuberância de suas praias. O visitante já desembarcava no Estado, via Campina Grande, bafejado por essa expressão cultural vigorosa, de caráter duradouro e capaz de sugerir reflexões muito além de um discurso de ocasião sobre quem foi covarde na administração do País.

O NOME DE SUASSUNA PERMANECE

O diretor da AENA esclareceu para APALAVRA que, diferentemente do que alguns portais estaduais de notícias divulgaram, o nome do aeroporto campinense não mudou. “Ele permanece como Aeroporto Presidente João Suassuna e nós apenas diminuímos o tamanho do letreiro, por uma questão de estética, simplificando na entrada para apenas CAMPINA GRANDE.”

Segundo explicou Luciano de Lima Rodrigues, não foi alterada nenhuma carta de navegação e a nomenclatura existente (PRESIDENTE JOÃO SUASSUNA) permanece em todos os mapas internacionais.

Em todo caso, menos mal. A AENA poderia ter trocado o painel de Ariano, por exemplo, por uma vistosa estátua de Dom Quixote de La Mancha e, ainda assim, nossa adormecida classe política nem estaria aí para reclamar.

Fonte: Da Redação