Valberto José
Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.
A TV quer levar o São João “pras capitá”
Publicado em 4 de julho de 2022A letra de Festa do Interior, sucesso na voz de Gal Costa no início dos anos de 1980, atesta o que é obvio: São João é uma festa tipicamente interiorana, ainda mais no Nordeste. A composição de Abel Silva em parceria com Moraes Moreira somente endossa o que o baião de Gonzaga já cantava antes de que “São João nas capitá não me diga que é São João”.
Agora, se não bastasse a descaracterização das quadrilhas juninas e do verdadeiro forró, além da invasão musical sertaneja nos festejos, a TV tenta impor a transposição das festas de São João para as capitais. Foi o que pude observar ao assistir a abertura do programa São João do Nordeste, transmitido no sábado, 25 de junho, para toda a região, pelas afiliadas da Globo.
Até me veio um alento quando a apresentadora Bianca Carvalho abriu a inserção dos repórteres pelo recôncavo baiano. Mas, logo após o flash de Cruz das Almas, a crucificação dos festejos juninos começou por Salvador, estendendo-se por Aracaju, Maceió, Natal e São Luiz.
A transmissão interiorana do programa, além da cidade baiana, girou por Campina Grande, Caruaru, Petrolina e São João do Arraial – PI; esta, a grande surpresa e única com um pouco das características do São João de antigamente.
Há um equilíbrio, talvez estratégico, no número de cidades destacadas, cinco capitais e cinco do interior. Talvez se Caruaru não tivesse o título de Capital do Forró, teria sido alijada da transmissão… e entraria outra capital para desempatar.
Até tentei continuar na assistência do programa, mas quando o repórter do agreste pernambucano entrou, bradou Caruaru Capital do Forró, e a câmara mostrou Alok animando “a galera”, desisti. Antes, de Natal, ocupando o tempo reservado a Mossoró em anos anteriores, o flash já mostrara um pagodeiro animando o “São João” de lá.
A grandiosidade das festas juninas do Nordeste leva público a todo lugar da região, até mesmo nas capitais. Mas nunca ouvi ninguém dizer que vai brincar São João na Capital; só brinca lá quem lá mora e não pode se deslocar ao interior.
As comemorações dos santos juninos são eminentemente interioranas, pois originadas que são dos mais longínquos rincões, com base nos costumes do seu povo e de suas atividades rurais. Então, devem ser mostradas do seu próprio lugar.
Acredito que um programa desses pode e deve ser transmitido de pelo menos duas cidades de cada Estado do Nordeste, sem precisar mostrar nenhuma das suas capitais. Elas já têm o mar e outros atrativos que aquecem o turismo, a exemplo do carnaval.
No interior baiano, observo à distância, o forró tradicional ainda tem vez. Além de Cruz das Almas, poderia destacar outra cidade onde cantores como Flávio José, Flávio Leandro, Adelmário Coelho e outros que ainda mantêm público cativo.
Em Sergipe, em vez de Aracaju, uma cidade do interior. Itabaiana, por exemplo, é terra natal de Mestrinho, filho e neto de sanfoneiros famosos no Estado e um dos grandes da sanfona, na atualidade. Ele dá suporte, com seu instrumento, a medalhões da MPB como Gilberto Gil.
Felizmente que a transmissão ficou restrita, na TV aberta, aos limites regionais. Se em alcance nacional, pode motivar no próximo ano o turista desavisado de outras regiões a querer festejar os santos do mês numa capital. Ou então chegar lá e cantar esses versos do arrasta-pé de Luiz Gonzaga:
São João nas capitá, não me diga que é São João/É calça remendada no joelho e no fundão/São João nas capitá, só se dança iê-iê-iê/Vamos lá mangar, vamos lá mangar, iê, iê-iê, iê-iê.