Amaro Pinto
Advogado, Cronista, Articulista paraibano. Fascinado, humilde e curioso aprendiz do Direito, Literatura, Teologia e Filosofia. Avante – sempre – porque somente DEUS é grande.
A TRAVESSIA DO DESERTO (I)
Publicado em 9 de março de 2023“O homem andava em círculos, a esmo, há dias ou meses, quiçá anos, não sabia ao certo eis que tudo lhe era incerto – buscando inspiração, luz, força e fé para viver, ao tempo em que perquiria ansioso por respostas que nunca vinham – e o seu corpo, sobretudo a alma – já se encontravam esfaimados sob o peso de injustas indefinições e aflições prementes – para além de todas as incompreensões tecidas e convoladas em ferazes vergastadas nos couros, afora as circunstâncias ingentes – todas elas fora do alcance de sua limitada volição.
Sabia que era humano e por tal razão tinha plena consciência das limitações imanentes a quem vive e de tal maneira seguia sobrevivendo, ruminando dores e cansaços, opostas emoções de um ser antípoda de si próprio, contraditório por essência – ora afeito ao aconchego de amplas esperanças, ora varrido por desejos de não-ser, como um dilema Sartreano de vozes sussurradas acariciantes e gritos devastadores, percorrendo caminhos adiante cuja vontade tenaz o fazia ainda mais mergulhar nos desfiladeiros indecifráveis da vida.
Assim, alternando momentos de eremita, à reflexões de Agostinho e Anselmo – e boêmio aos deleites de Dionísio e Baco, se abraçava a orações miraculosas e no instante seguinte se dava ao delírio fugaz dos prazeres da carne – no afogadilho e afã de fazer de cada instante um eterno, desde que fosse o último.
Tudo isso o cansava de maneira basta, indiferente e intensa – muitas vezes sequer sabia o que estava fazendo ou esperando, porquanto a multiplicidade de pensamentos e situações díspares e antinômicas retiravam-lhe o discernimento comum à mediana humanidade.
Andou desse modo por muito tempo, impreciso na quantificação, imensurável no sofrimento, até que um dia se deu conta que ultrapassara – tudo pela graça soberana de Deus, como entenderia mais tarde com inapagável limpidez – montes, serras, pedradas, ofensas, perseguições e todo o consectário nefasto que advém quando o semelhante encontra-se frente a um igual fragilizado e quase que praticamente indefeso – tudo pelo cansaço, só pelo cansaço.
No entanto, havia fibra naquela alma cosida por agulhões de ferro em brasa e higidez no corpo ainda jovem golpeado a tacões de maldade e perfidez – então percebeu que existir não era somente o respirar e comer, suar, dormir e dejetar – principalmente porque era isso [como ainda o é] – que a maior parte dos transeuntes do mundo o fazia e eis que esbarrou com o Deserto imenso posto à sua frente, o que de modo incontinenti o fez compreender o verdadeiro sentido daquela sua luta, a batalha definitiva, imprevisível e cruel, que definiria-lhe a existência – entre o viver e o morrer.
Observou o horizonte à vista do oriente e sentou devagar naquele chão cru. Respirou e então viu a luz nos raios do crepúsculo, em princípio adornada num salpicar de vagalumes azuis abrindo caminho à uma luz bem maior que vinha atrás iluminando as veredas e afastando os miasmas ocultos como larápios, e o homem viu o Vulto deslumbrante e Imponente da Senhora vestida de Sol, de cujo manto azul sobre os ombros, deitado nas vestes brancas e compridas – imaculadas como jamais vira, espraiando estrelas de todas as matizes e em todas as direções – emanava uma força e suavidade tão intensas que logo seu espírito irrequieto e irresignado se acalmou tal criança que adormece sob a placidez do sono farto. Seria imaginação?
Foi nesse momento que compreendeu que embora sendo pecador, imperfeito – o Espírito Santo ouvira com piedade suas preces, orações e rezas, entremeadas em seu pranto longo e abundante, que deixava seus olhos mareados, tal o mesmo mar da Criação e de igual assimilou que o Cristo pusera Seu Olhar Invencível e misericordioso sobre seus rosto e ombros e a benção de Deus deu-lhe perceber, quando menos em sua imaginação obnubilada; malgrado com sua condição de humano miserável e iníquo – a presença Daquela ‘bendita entre as mulheres” que o conduziria na jornada imprevista e inóspita posta à frente de si.
Não ousou levantar os olhos [seria catarse? Epifania? Delírio?] e fitar aquela Presença Maravilhosa, entretanto sentiu todo o poder dela emanado adentrando sua carne, ossos, cartilagens e artérias, cérebro e coração, mente e alma vibrantes transformados em um vigor cintilante e destemido, miraculoso, capaz de superar barreiras, vencer quaisquer intempéries, salgar e assar seus pés por meio de passadas firmes sem titubeios, medeios ou peias, avançando orientado por aquela Claridade inefável que vibrava nos emaranhados do seu ser tal o dobrar dos sinos daqueles que jamais morrem. E tudo então se fez Luz…
E então agradeceu com reverente humildade de joelhos dobrados aos Altos Céus – num balbucio tão silencioso que somente seu âmago deu-se a ouvir – na introspecção daquele instante tão inesperado quanto alentador, inesquecível, pois, e começou a andar – de fronte erguida e olhos fitos no descortinar dos Destinos infinitos…