Valberto José

Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.

A tatuagem que não vi

Publicado em 30 de janeiro de 2024

Vez por outra, em divagações momentâneas, me acho extremamente insensível, frio até, na reação às intempéries da vida. Certamente melhor assim, pois mantenho a calma nas situações adversas como acidentes de carros, agressões verbais em trânsito e notícias de morte de familiares. Quando eu perco a calma, a paciência… sai de perto.

Nesses devaneios involuntários, inicio um processo de autocondenação logo cessado ao me convencer, tão rapidamente, de que são dádivas divinas em resposta à minha constante conexão com Deus. Em situações dessas é a quem primeiro clamo. Foi aflando esse sopro do Criador que resisti à notícia mais dolorosa da minha vida, há exatos dois anos, completados neste 29 de janeiro.

Não, não foi fácil esse duo anual! Não vi outra alternativa de encarar essa realidade senão me apegar ao pequeno grão de mostarda que conservo no meu interior, legado de minha mãe, que, coincidentemente, vivera a mesma situação 20 anos antes com nosso irmão caçula. E superou com uma dignidade impressionante, ainda fortalecendo os 10 filhos que ficaram a lhe dar suporte, mas, paradoxalmente, ela é quem dá suporte a todos.

Neste dia de tanta saudade, resolvi não sofrer, não chorar, embora, vez em quando, os olhos ameaçassem marejar. Quando o pensamento insistia em trazer detalhes dessa data amarga, pedi muito a Deus que não sentisse sofrimento, apenas saudade. Saudade sem dor. E como senti saudades de Glauber pedindo, indiretamente, que eu lhe preparasse um suco! “E o suco do pai?”.

Recordei muito, neste 29 de janeiro, o dia em que ele tirou, com muita sensibilidade, a foto de um cogumelo do nosso antigo jardim, que tomava toda proporção da frente da casa até o portão de entrada da garagem. Essa foto emoldura a tela do meu celular. Enviei-a, na época, ao MAISPB, que a publicou. Não há como esquecer a doçura com que Glauber nos tratava, mesmo em situações que se via contrariado.

O sonho de Glauber era fazer uma tatuagem, encontrando nossa resistência, primeiramente da mãe, a quem costumava pedir o aval. A uma semana de sua partida eterna, começou a chegar aqui em casa de calça comprida. Não desconfiei de nada. “Glauber fez uma tatuagem na perna”, disse-me Margarida, quatro dias antes. Estávamos acabando de almoçar, não lhe disse nada, repreensão nenhuma. Nem disfarcei minha tristeza.

No impacto da dor, sem ânimo de paliar a pusilanimidade, acovardei-me e também não o vi, inerte, no seu quarto de despedida.