Valberto José
Jornalista, habilitado pelo curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Nordeste (URNE), hoje UEPB. Colunista esportivo da Gazeta do Sertão e d’A Palavra, passou pelo Diário da Borborema e Jornal da Paraíba; foi comerciante do setor de carnes, fazendo uma pausa de 18 anos no jornalismo.
A mata de dona Mequinha
Publicado em 18 de outubro de 2022A insensatez do homem ao longo do tempo é entender a palavra mata, em relação à natureza, meramente como conjugação na terceira pessoa do singular do presente do indicativo e na segunda pessoa do singular do imperativo afirmativo do verbo matar. Nunca no seu significado real, que é floresta, selva etc.
Na obediência a esse entendimento, o homem vem conseguindo dizimar a fauna e a flora na sucessão dos anos, afora outros estragos ambientais. Mas não consegue eliminar as lembranças que tenho das matas de meus tempos pueris, entre elas a de Dona Mequinha.
Vizinha à do meu avô paterno, separadas por um largo corredor, dividido pela copiosidade de duas cercas de avelós. Tamanho dezenas de vezes maior que a dele, numa terra centenas de vezes maior do que a dele, a mata de dona Mequinha fez parte de minha infância sem precisar que eu desbravasse seus caminhos.
Aliás, cheguei a percorrer um pequeno trecho de sua parte urbana, à beira do riacho de Bodocongó, na ponte do Cruzeiro, hoje o canal inconcluso a desafiar administrações públicas ao longo do tempo. Confesso que passava no corredor divisor querendo pular a cerca e me embrenhar por toda sua extensão.
Tantas histórias, estórias, bravuras de vaqueiros e caçadores daquela mata, ouvi, na minha infância feliz. E aí imaginava Zé Paulino, meu avô materno, montado no seu cavalo em busca de resgatar o boi que fugira e adentrara a mata alheia. Também histórias dos meeiros que dividiam suas colheitas com a dona da terra.
Esqueci praticamente essas histórias e estórias, mas nunca deixei de lembrar a malícia dos adultos nas conversas diante do menino. “Está do tamanho da mata de dona Mequinha”, “está mesmo que a mata da velha”, confabulavam sobre a necessidade de fazer as axilas ou depilar os pelos pubianos.
Também nunca esqueci a única vez que me arrisquei a pôr os pés na parte urbana da mata, poucos metros da rua, pelo riacho de Bodocongó com enchente. De cima da ponte do Cruzeiro, onde me encontrava, avisto as filhas de seu João, morador da única casa do terreno, após a igreja, uma das quais minha paquera.
Eu e mais dois ou três colegas entramos na mata beirando o riacho e ficamos escorados na cerca por trás da represa do terreno, que recebia água do açude de meu avô paterno durante a sangria, e onde existia uma plantação de bananas. Posicionadas em cima do balde, as meninas corresponderam aos nossos acenos, iniciando o diálogo.
Ainda sem a timidez da adolescência e inspirado na plantação de bananas, comecei a cantar o sucesso de Messias Holanda daquele ano. “Ouvi cantar o sabiá na bananeira, amor/ Na bananeira eu vi o sabiá cantar”. A menina de olhos verdes me transmitia esperança, entoando o refrão “ Tio, tio, tio, canta, canta sabiá. Tio, tio, tio é bonito o teu cantar”.
Embora divisor das terras do meu avô e a de dona Mequinha, o corredor era dela. Quem se dispunha a ir aos bairros de Santa Rosa, Centenário (Casa de Pedra) e Bodocongó, e tinha que avisar a alguém, falava: vou pelo corredor de dona Mequinha. E aí encarava o espaço entre as cercas de avelós destinado aos transeuntes de então. Fui muitas por ele para a novena em Bodocongó, puxado pelos braços de minha mãe. Hoje, é a Avenida Dinamérica Correia.
O tempo passa transportando o progresso. A parte da mata de dona Mequinha que arejou minha infância hoje é uma cidade dentro de uma cidade. Inicialmente conjunto habitacional, na atualidade é o bairro mais populoso de Campina Grande, o das Malvinas.
Fonte: Assessoria