Amaro Pinto

Advogado, Cronista, Articulista paraibano. Fascinado, humilde e curioso aprendiz do Direito, Literatura, Teologia e Filosofia. Avante – sempre – porque somente DEUS é grande.

A fila da desumanidade.

Publicado em 8 de abril de 2022

Vão chegando aos poucos, cedinho da manhã, silenciosos, encarapitados em suas vestes surradas pelos desatinos e intempéries da vida, os rostos vincados pelas marcas indeléveis de sofrimentos tantos que não se podem contar, ombros recurvos sob o peso da injustiça e desigualdade, olhos baços de dores presentes em todo o tempo.

Chegam e se põem em alinhamento respeitoso, ombro a ombro, encostados um no outro, em pé, outros sentados, remexendo esperanças parcas e dividindo naquele espaço iníquo, os látegos da existência que os fez e faz iguais em necessidades prementes e desassistidas.

Ali esperarão por quatro ou cinco horas o momento em que as portas do lugar de repasto [para muitos a única refeição do dia] se abrirão e eles entrarão sôfregos para saciar as entranhas famintas por meio de um bandeijão, no qual, igualmente silenciosos, [se] satisfarão – ávidos de sustança do corpo desnutrido e de amor humano, no porfiar de todas as horas.

São de várias faixas etárias e de comum se revestem do chicotear das dores humanas, as humilhações de dias perdidos em confins do tempo que nem contam mais, o descaso e abandono de familiares, amigos falsos, órfãos inversos muitas vezes de filhos vivos, bastos e desnaturados – padecendo do completo, solerte, vil e desumano abandono social do Estado – em sentido amplo.

Para além do meio-fio, a ampla avenida movimentada, em cujo leito de asfalto deslizam o esplendor de carros de luxos dirigidos por seres interplanetários, indiferentes ao padecimento daqueles semelhantes(??), ônibus e veículos lotados, transeuntes que passam ao lado na mesma calçada, sem nenhum olhar que seja-lhes dirigido, sequer à esgueira, porquanto esses seres famélicos são invisíveis e conquanto que sejam vistos, incomodam apenas por existir e estar ali expostos – causando repugnância pela maldade de toda nossa indiferença também posta.

Repetem em si o desfiar de tantos outros milhões no mundo, nestes e em outros tempos, de priscas e pré-históricas eras, por idades média e moderna, sobretudo pela contemporaneidade cibernética que se compraz e abasta em guerras, parafernálias eletrônicas e indústrias quimíco-farmacêuticas, cujo único e soez objetivo é a vilania do lucro voraz, ávido, cada vez mais ávido, desinteressado em dores humanas, ora, ora.

Ali passamos e somos cúmplices dessa inanição desumana. Ali também passam governantes e políticos enfatuados de fausto e de poder, afeitos aos acepipes lautos de mesas postas de iguarias finas, perfumes franceses, uísque azul e vinhos palatinos – apreciados em viagens a Dubai e

alhures d!além mar, nos hotéis e restaurantes construídos em arranha-céus com piscinas de bordas infinitas.

Mesmo aqueles que um dia de igual estiveram em filas de inanição parecidas, do lado mais baixo da pirâmide e hoje desfrutam de sabores e humores liquefeitos e refinados, gozando dos prazeres temporais – viram a face ao outro lado, não para receberem outra bofetada, mas no intuito deliberado e exclusivo de [fazer] esquecer momentos passados na fila dos esquecidos e abandonados, alguns se tornando patrões cruéis e chefetes políticos perseguidores implacáveis, destituídos de qualquer laivo de afeição humana, da decantada empatia, falada e pouco praticada.

Maquiavel, sempre ele, o velho escriba florentino, mal estudado, lido e interpretado assevera que “a cadeira do poder não tem espinhos – exceto para baixo” – e essa máxima é tão verdadeira quanto atual – fazendo nossos tímpanos ressoarem em dores indignadas que reverberam no incessante martelar da alma.

Já passou da hora de nós outros, cidadãos mortais e comuns, o seleto público leitor deste precioso espaço, todos nós uns e outros e quem mais seja e assim se disponha a empunhar de forma aguerrida e altaneira, firme, inabalável e intransigente, uma bandeira de luta no escopo de dar finitude a essa desumanidade que rasga corações tal lâminas geladas e incontidas

Esqueçamos esses tempos atuais de lamentável discórdia e intolerância, deixemos nossas ideologias e preferências políticas postas nos desvãos das lateralidades e façamo-nos um só para gritar por quem não tem vez, nem voz, quiçá e certamente só voto – este de todo pessimamente utilizado para alçar ao poder legiões atavicamente marcadas pela cupidez e incompetência, sem falar nos alpinistas sociais, áulicos premiados como já disse aqui noutra oportunidade – que se aproveitam das fragilidades esfaimadas para se deitar placidamente em berços esplêndidos e para eles de nascença desconhecidos.

Vamos todos acabar coma fila da desumanidade, aquela da Avenida Floriano Peixoto, aqui em Campina. que começa em frente ao Posto de Saúde Francisco Pinto, dobra [vejam o estrugir do paradoxo, despautério e ‘ironia’ do Destino] pela calçada da Repartição que arrecada nossos impostos, perpassa pelo antigo Forum Affonso Campos e termina na escadaria da humilhação.

“Não dá mais pra segurar – explode coração” no dizer do inesquecível poeta. Basta!

Avante porque somente DEUS é grande.

Amaro Pinto, abril de 22.

(Revisem o texto, por especial gentileza, com meus respeitosos cumprimentos de admiração e renovada gratidão).