Marcos Marinho

Jornalista, radialista, fundador do ‘Jornal da Paraíba’, ‘Gazeta do Sertão’ e ‘A Palavra’, exerceu a profissão em São Paulo e Brasília; Na Câmara Federal Chefiou o Gabinete de Raymundo Asfóra e em Campina Grande já exerceu o mandato de Vereador.

A feira rica dos feirantes pobres

Publicado em 7 de março de 2023

Bruno assina, sob testemunho do presidente da Câmara, o edital milionário

Maltratada há anos, a feira grande de Campina Grande – nosso Mercado Central – só ganhou algum mimo na gestão do então prefeito Cássio Cunha Lima, que nela colocou uma gigante cobertura que sequer, ao longo de tantos anos, recebeu ao menos uma leve manutenção que lhe alivie da ferrugem que a ameaça levar ao chão.

Literalmente entregue às baratas, serviu de palanque eleitoral para a reeleição de Veneziano, que se enrolou com um projeto megalomaníaco de restauração e acabou desviando verbas sem ter tido a competência necessária para executá-lo; e durante o Governo de Romero Rodrigues, que apesar de muito esforço não conseguiu desenrolar o novelo de problemas lá deixado pelo antecessor, acabou sendo brindada pelo Governo Federal como Patrimônio Cultural do Brasil.

A chamada Feira das Feiras – Feira de Campina Grande – está, portanto, desde 27 de setembro de 2017 entre os bens imateriais reconhecidos do Brasil e foi inscrita, pelo IPHAN, no Livro de Registro dos Lugares.

Nossa feira transformou a vida e a paisagem do Planalto da Borborema e foi mudando de lugar ao longo do tempo, desde seus primeiros caminhos, ainda no século XVIII. Crescendo em importância e dimensões, passou a ser objeto de interesse de propostas de requalificação urbana, que não chegaram a prosperar, mas que deverão ser conduzidas conforme as necessidades das pessoas que a vivenciam, diariamente.

Bruno explica aos secretários o que deseja para a feira

Ao longo dos anos, décadas e séculos, a feira-cidade cresceu e se tornou uma das maiores referências do mercado da região, marcando a vivência coletiva de milhares de trabalhadores e exercendo poderosa influência em todo o interior nordestino, especialmente nos estados da Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará.

De acordo com o IPHAN, trata-se de um lugar patrimônio cultural de resistente continuidade histórica em meio às vicissitudes políticas locais. São aproximadamente 75 mil metros quadrados dando a base da Feira de Campina Grande, que se amplia para além de seus limites, entre ruas e barracas, nos dias de mais movimento.

De segunda a sábado, o movimento caótico de pessoas e mercadorias atrai pelo tamanho, relevância e diversidade. É por isso que se diz que tudo o que se procura é possível encontrar na Feira: frutas, hortaliças, cereais, ervas, carnes, animais (vivos ou abatidos), roupas, flores, doces, artesanato, acessórios para pecuária, comida regional e serviços.

Diversos personagens dão vida ao lugar. Eles são os seleiros, mangaieiros, flandreleiros, barbeiros, balaieiros, raizeiros, fateiros – e tantos outros mestres, com seus saberes e ofícios tradicionais.

Visão aérea da Feira de Campina, anos 60

Esse riquíssimo recanto da nossa amada Campina Grande agora entrou no plano de marketing do sofrível prefeito Bruno Cunha Lima que, lamentavelmente, incorre num erro descomunal quando avisa ao seu séquito de apoiadores que vai procurar idéias lá fora para requalificar o mercado, desprezando com fino toque de deboche a inteligência e sabedoria telúricas do infeliz trabalhador que ainda teima em manter sua banca de mangaios no local.

Mês passado, mais precisamente no dia 09, o prefeito lançou oficialmente um edital abrindo Concurso Público Nacional de Arquitetura e Urbanismo para a requalificação do espaço e, com disfarçado ufanismo, vangloriou-se de que estava abrindo espaço para que profissionais de todo o País tenham “a chance de estudar e apresentar propostas para melhorar o espaço comercial histórico da cidade”.

Eu sou “feireiro” desde os quatro anos de idade quando Dona Virgilia, minha saudosa mãezinha, me acordava ainda sob as brumas da madrugada dos sábados e saíamos da rua Nilo Peçanha, varávamos as ruas da Independência e Lino Gomes, avançávamos sobre o velho balde do Açude Novo e seguíamos em frente, à pé, para entrarmos pelas feiras de flores e de peixes para a indescritível alegria de fazermos a feira da semana.

Nosso balaieiro já esperava na entrada da feira e nos seguia ajeitando as compras no seu grande balaio, onde do feijão e da farinha, à carne de sol, mocotó de boi e galinha de capoeira, tudo cabia, cobertos com maços frondosamente belos de alface, couve, cebolinha, coentro, espinafre e manjericão.

Feira atual, com a cobertura feita por Cássio

Voltávamos na ‘marinete’ de Seu Genésio, linha da Prata que começava rodar às seis da manhã, e o balaieiro com nossa feira chegava minutos depois vindo à pé suando forte com o peso na cabeça, que suavizava lavando-a na torneira do jardim enquanto aguardava lauto café que Dona Virgília lhe servia com pão francês, bolo de milho, tapioca com coco ralado, cuscuz feitinho na hora e um mói de ovos de capoeira estalados na manteiga de garrafa.

E é por isso que me sinto grande AUTORIDADE quando o assunto é a feira de Campina Grande. Aliás, maior do que a minha autoridade só a do querido Olímpio Oliveira, que naquela época também um gurizinho que nem eu, em vez de FEIREIRO era digno FEIRANTE ajudando seu também saudoso pai a vender ovos na banquinha familiar que gerava o sustento deles todos.

Ainda sábado passado, depois do Carnaval em Jacumã e Carapibus, corri à feira para pegar com Solano de Alcantil uma galinha boa de capoeira para tirar o gosto de peixe e celebrar a volta aos domínios das terras de Biliu, Ton Oliveira e Coroné Grilo. E quase não fiz a feira toda!

Do amigo Ednaldo do miúdo de boi ao meu compadre do feijão verde lá na feira de flores, passando por Margarida da pimenta lá perto da ‘rua boa’ e Joana do caldo de cana lá nas beiradas do antigo “pela porco”, a reclamação era uma só: esse edital milionário com que Bruno quer deixar ricos os prováveis projetistas da nova feira de Campina Grande, esse povo das ‘Oropa’, Russia, “Sunpaulo”, Austrália, BH, sabe-se lá de onde mais, que está sendo convidado a riscar os caminhos que os nossos feirantes terão de pisar.

Projeto da nova feira, elaborado na gestão Veneziano

Senti todas as dores deles!

Porque o prefeito não quer ouvi-los, mas empurrar-lhes goela abaixo um projeto feito exatamente por quem não sabe sequer onde fica a nossa feira grande, quando deveria – ao ver dessa gente humilde – primeiramente pedir-lhes opiniões, um “riscado” talvez como esboço para o que os arquitetos – e poderiam ser até mesmo estudantes de Arquitetura da Facisa – fariam.

O edital de Bruno diz que as propostas de projetos podem ser submetidas até o dia 18 de abril deste ano de 2023 e devem abranger os cerca de 40 mil metros quadrados da Feira Central, incluindo Mercado Central; Largo do Pau do Meio; Edifício Pau do Meio; Armazéns; Antigo Cassino Eldorado; e as ruas Deputado José Tavares; Marcílio Dias; Manoel Farias Leite; Dr. Carlos Agra; Dr. Antônio de Sá; Cristóvão Colombo; Pedro Álvares Cabral; e Manoel Pereira de Araújo.

E destaca, como verdadeiro troféu, a montanha de dinheiro com que decidiu premiar a turma de fora que convocou para “pensar” a nossa feira.

Vejamos o que ganharão as três equipes com projetos vencedores: R$ 200 mil para o 1º colocado; R$ 40 mil para o 2º; e R$ 10 mil para o 3º, dinheiro que virá do Orçamento Geral da União, de recursos próprios e da captação de crédito, segundo o alcaide “graças ao momento histórico em que a Prefeitura atingiu nota A, o que viabiliza a captação de recursos, inclusive internacionais”.

Tem mais: a equipe que for classificada em 1º lugar assinará o contrato para elaboração dos anteprojetos, projetos executivos e projetos complementares, totalizando o valor de R$ 2.468.527 milhões.

A explicação de Bruno Cunha Lima para a escolha de um concurso é risível: “O processo vai garantir qualidade, transparência, democracia, participação e ampla divulgação da nossa feira e da nossa cidade. Além disso, estamos contando com a organização do Instituto de Arquitetos do Brasil, que tem expertise na realização de concursos desse tipo, a exemplo da própria construção de Brasília, que conseguiu um projeto nada mais, nada menos que de Oscar Niemeyer”.

Ninguém falou sobre os recursos alocados para tão significativa obra, desde os tempos de Veneziano quando o secretário de Planejamento Alex Azevedo gastou “rios” desapropriando armazéns velhos e terrenos baldios a título de fazer estacionamentos e nada mais fez a não ser, também ele, engordar suas contas bancárias.

E é inevitável a pergunta: por que não utilizar o projeto já elaborado e fazer apenas adaptações seguindo sugestões dos feirantes? Não seria mais barato ou é mesmo necessário se gastar toda essa montanha de dinheiro para começar tudo do zero?

A obra da feira que Bruno provavelmente não executará, ele avisou, tem custo estimado de, somente, R$ 40 milhões!!! Com prováveis aditivos contratuais, superará facilmente os R$ R$ 50 milhões.

Eita prefeitura rica! E tão paupérrimos feirantes!