Marcos Marinho

Jornalista, radialista, fundador do ‘Jornal da Paraíba’, ‘Gazeta do Sertão’ e ‘A Palavra’, exerceu a profissão em São Paulo e Brasília; Na Câmara Federal Chefiou o Gabinete de Raymundo Asfóra e em Campina Grande já exerceu o mandato de Vereador.

A falta do cochichador de César…

Publicado em 27 de março de 2023

O artigo abaixo é da lavra de Josias de Souza, colunista do UOL e um dos mais brilhantes jornalistas do País. Foi publicado hoje e eu o trago, com leve mexida apenas no título, para reflexão do leitor d’APALAVRA:  

“Júlio César tinha sempre ao seu lado um escravo para lhe soprar no ouvido: “Lembra-te de que és mortal.” O sopro servia como antídoto contra a toxina da megalomania. Um cochichador inocularia na mente de Lula a percepção de que expor diante das câmeras o desejo de “foder esse Moro” lembra o linguajar do antecessor. Avisaria que a vingança não orna com a tese segundo a qual “o amor venceu”.

Uma consciência a tiracolo avisaria ao soberano que mentir e fabricar conspirações não faziam parte do acordo da frente ampla pela restauração da democracia que Bolsonaro conspurcou. Com dois cochichos em menos de 72 horas, Lula talvez se animasse a pedir perdão por ter tachado de “armação” a operação da Polícia Federal que desarmou o plano do PCC para sequestrar ou aniquilar desafetos.

Um cochichador para Bolsonaro seria inútil, pois o capitão não tem consciência. Exercitou a inconsciência conscientemente durante os quatro anos de sua Presidência. O caso de Lula é mais intrincado. O sábio da tribo do PT se julga tão superior que não abre mão de ser o cochichador de si mesmo. Avalia que sua própria consciência crítica basta para conter eventuais surtos imperiais.

Sob a precariedade de Bolsonaro, ministros e auxiliares que ousaram divergir, mesmo entre quatro paredes, foram enviados para o olho da rua. Sob Lula, a divergência não ousa dar as caras nem em ambientes reservados. A superioridade presumida do presidente transforma assessores em áulicos como Paulo Pimenta, o chefe da Secom.

Só há uma coisa pior do que o antilulismo ou o antibolsonarismo primário dos adversários da dupla. É o pró-lulismo ou o pró-bolsonarismo inocente. Quem estava exausto de Bolsonaro se angustia com a disposição de auxiliares e aliados de Lula de engolir todas as presunções do personagem a seu próprio respeito. Isso inclui aceitar a tese segundo a qual, assim como o antecessor, Lula veio ao mundo para desempenhar uma missão que, por ser divina, é indiscutível.

Todos os líderes políticos cultivam a fantasia da excepcionalidade. Mas Lula, como Bolsonaro, exagera. Guardadas as devidas proporções, Lula 3º também acha que a noção pessoal de superioridade anistia todas as suas falhas e perversões. É movido por uma fé que lembra a origem da maioria dos seus crentes. No caso de Bolsonaro, a fé era pseudo-cristã. Sob Lula, é supostamente socialista. O ingrediente da dúvida é excluído de ambos os credos.

Os cochichos não livraram Júlio César da morte. Aliás, a historiografia não esclarece onde estava o cochichador na hora da punhalada urdida por Brutus e pelos outros conspiradores. Quem sabe estava escondido atrás de alguma pilastra, murmurando: “Eu bem que avisei!”. Imagine-se o que pode acontecer aos césares que acham desnecessário ter alguém ao lado para sussurrar de fez em quando: “Lembra-te que não és imortal.”

Em 2022, o eleitor jogou terra em cima do buraco que Bolsonaro cavou para si mesmo. O capitão foi brindado com o título de primeiro presidente da história a não conseguir a reeleição. Hoje, percorre a conjuntura como um espectro à espera da inelegibilidade. Lula 3º ainda dispõe de três anos e dez meses para se convencer de que também está sujeito à condição humana.”